A enchente, o milagre e a vida nova do Gringo

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Por David Mijalchik  •  11 de Setembro de 2019

Dia 12 de janeiro de 2011. Data da maior tragédia ambiental da história do Rio de Janeiro. As fortes chuvas resultaram na enchente que inundou a Região Serrana do estado. Quase mil pessoas morreram. Outras se safaram por um milagre, como conta o treinador e ex-tenista profissional Walter Preidikman. Hoje, ele trabalha com duas jogadoras nascidas no Brasil, país em que viveu o momento mais difícil de sua vida.

O argentino, apelidado de Gringo, chegou a viver em São Paulo durante a juventude. Mas retornou à Argentina para seguir carreira profissional. Anos depois, de volta ao Brasil já como treinador, ele fundou uma das principais equipes de competição do país: a Tennis Route. A sede com quatro quadras e alojamento ficava num condomínio em Itapaiva, um dos distritos devastados pela tragédia. Onde Gringo, além de treinar alguns dos melhores juvenis do tênis nacional, morava com a família.

Naquele dia 12, as quadras estavam vazias. Os jogadores viajavam para competir no Nordeste. A chuva, que começou à noite, só aumentava. Pela janela, Gringo via uma verdadeira tempestade e o Rio Santo Antônio mais mexido do que o normal. Mas o ex-tenista não imaginou a dimensão do que estava prestes a acontecer.

- O segurança do condomínio perguntou se eu queria tirar os carros da garagem, dizendo que o rio poderia subir. Eu pensei: “impossível, só com um dilúvio” – conta o treinador.

A previsão do segurança estava certa. O rio transbordou e, de acordo com a Defesa Civil de Petrópolis, a água chegou a 2,5m de altura. A casa de Walter ficou praticamente submersa. Ele relata que tentou abrir a porta, mas não conseguiu devido à força da água. Então, quebrou uma das janelas e saiu nadando do local junto da esposa, levando nas costas a filha, de 5 anos, e o filho, de apenas 6 meses.

- Foi tudo muito rápido. Não imaginava, por mais forte que fosse a chuva, que pudesse chegar a esse nível de água. Foi um milagre termos sobrevivido – diz Gringo.


A partir desse dia 12, Walter teve que começar uma vida nova. O renomado técnico, que já foi auxiliar do Brasil na Copa Davis e treinou tenistas como Dácio Campos e Fernando Meligeni, sofreu com as perdas materiais, mas não perdeu a vontade de fazer o que mais amava: estar em quadra. A Confederação Brasileira de Tênis cedeu ao treinador um terreno abandonado no bairro do Recreio, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Após a revitalização do espaço, que virou sede da Federação Carioca, a Tennis Route também recomeçou.

Apesar do novo local, o centro de treinamento manteve a excelência, relevando jogadores juvenis e profissionais. Gringo ganhou dois sócios, os também treinadores João Zwetsch e Duda Matos. Em 2016, o argentino vendeu para eles sua parte da academia e partiu para novos desafios, nos Estados Unidos.

- Recebi um convite da família Hammons, que sempre me ajudou muito. Fui até a Flórida para ser treinador da filha deles, Anna, que está se destacando no tênis universitário.  Depois, outra família fantástica, os Megerdichian, me chamou para treinar os dois filhos e montar um centro de treinamento na Califórnia. Graças à ajuda deles, abri a minha academia, a WPT (Walter Preidikman Tennis).

Mesmo distante, o argentino mantém sua ligação com o Brasil, país pelo qual é apaixonado. Hoje, na Califórnia, além de ter muitos alunos brasileiros, Gringo é técnico das jogadoras Paula Gonçalves e Ingrid Martins, 381ª e 750ª colocadas na WTA, respectivamente. Ambas figuram entre as dez principais tenistas do país na atualidade.


- A Paula é uma jogadora madura, completa. Tem tudo para jogar o quali dos Austalian Open ano que vem. Já a Ingrid é jovem (23) e tem um tênis moderno. Foi a melhor jogadora do circuito universitário e, até o fim do ano, acredito que estará no top 500 – analisa.

Além disso, Gringo desenvolveu e coordena até hoje as aulas de tênis do projeto social “Filhos do Céu”, que ajuda e ensina o esporte para crianças no interior da Bahia. Uma prova do seu carinho pelo Brasil. Mesmo após o sinuoso rio que, conforme ele diz, passou em sua vida.

- É um país fantástico, com muitas pessoas boas no tênis, apesar da desorganização – explica Gringo – Hoje, eu me considero brasileiro. Mais até do que argentino – completa.


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