A perfeição existe

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Por Nittenis News  •  24 de Setembro de 2022

Por Átila Facina

Tive poucos ídolos na vida. Nos meus 49 anos, como bom vascaíno, lembro basicamente de Roberto Dinamite na infância. A partir da adolescência, talvez por ser muito exigente comigo mesmo, sempre achava um senão em qualquer atleta que se destacava, e até o Bob deixou de ser uma referência. Afinal, por melhor que fosse esse atleta, ele ou ela cometia o erro fatal de não ser perfeito ou no seu esporte, ou na vida pessoal. Era simplesmente uma pessoa com seu talento e dedicação, mas humano com suas imperfeições.

Falando de tênis, objeto deste artigo, acompanhei grandes jogadores. Ícones de várias gerações. Uns mais, outros menos. Assisti Borg, McEnroe, Lendl, Willander, Becker, Edberg, Agassi e Sampras entre outros. Borg abandonou a carreira muito cedo, McEnroe era o bad boy, Sampras o sem carisma que não tinha títulos no saibro e Agassi, o que se perdeu no meio da carreira, mesmo tendo um início e final brilhantes.

Acompanhei toda a carreira do Guga desde antes do primeiro título de Roland Garros, quando ainda era um jovem que despontava no ranking da ATP como segundo brasileiro melhor colocado, atrás apenas do Fernando Meligeni, o argentino mais brasileiro que conheci.

Quando Gustavo Kuerten virou o Guga, primeiro do ranking e vencedor de Grand Slams, Masters (atual ATP Finals) e outros grandes torneios, uma luz se acendeu. Carismático, gente boa, sempre junto com a sua família e que curtia o que fazia e estava vivendo, pensei que novamente teria um ídolo, até por jogar este esporte de forma bem amadora e ter um maior envolvimento por causa dos meus amigos da Nittenis, onde publiquei alguns textos e fiz a cobertura jornalística de alguns torneios.

Entretanto, na minha saga em achar defeitos, via suas ausências seguidas em Wimbledon, como um sinal de fraqueza, falta de dedicação e até pouca ambição. Afinal era WIMBLEDON, o torneio mais tradicional do tênis e sempre achei que sua falta de resultados lá (foi quadrifinalista no único ano que estava em alta e se preparou realmente pra esse torneio) era mais uma preguiça em evoluir onde tinha mais dificuldade, do que falta de armas pra superfície de grama, afinal o básico ele tinha. Saque forte e altura. Até hoje me lembro de suas férias pra surfar e se recuperar pro restante do circuito nos períodos pré e durante Wimbledon. Guga, pra mim, cometeu o grave erro de não ser um robô e precisar recarregar as energias, ou seja, não ser perfeito.

No fim da carreira de Gustavo Kuerten, quando ele já convivia com o problema nas costas que o tirou precocemente dos primeiros lugares do ranking e, mais tarde, do Circuito, apareceu um suíço sem fazer muito alarde. Com um talento natural acima da média, mas que pecava no temperamento e no foco na carreira, assim como vários atletas em diversas modalidades que surgem todos os anos, foi conquistando o seu espaço, mas sem dar pistas que seria uma lenda. Não por acaso, a última grande vitória de Kuerten foi um 3x0 sobre Federer, quando este já era primeiro do ranking, em Roland Garros em 2004 (sempre lá). Guga já sofria de dores crônicas e nem assim Federer foi páreo pra ele no saibro parisiense.

Sim, Federer nem sempre foi esse atleta que nos acostumamos a admirar, até mesmo porque precisou ser o seu próprio exemplo. Entretanto, quando atingiu a maturidade e aliou como ninguém, talento, foco, determinação e fidalguia, transcendeu o mundo do tênis e virou um exemplo mundial. Reinventou a expressão “tênis de alto nível”.

Melhorou seus adversários. Alguém duvida que, assim como Nadal, se o Guga o tivesse como exemplo, teria se dedicado mais a Wimbledon? Alguém duvida que Djokovic e Nadal só tiveram tanto sucesso na carreira e até o ultrapassaram em conquistas, porque o tiveram como exemplo e fonte de inspiração? Alguém duvida que Rafael só conquistou Wimbledon por causa do Federer e que se não fosse ele, provavelmente repetiria as escolhas do Guga? Alguém duvida que Novak deixou de brincar durante os jogos e elevou seu nível mental e físico por causa do Roger?

Pra completar, não satisfeito com as suas conquistas e vendo os seus dois pupilos o ultrapassarem, Federer ainda teve a humildade e dedicação para mudar e melhorar o seu jogo, pra poder continuar enfrentando os algozes mais novos em condições de igualdade, mostrando que sempre se pode melhorar independentemente da idade. Em resumo, buscou evoluir, mesmo com um jogo de excelência, por perceber que já não era o bastante.

Federer foi responsável por mudar o jogo. A partir dele, vários tenistas talentosos, mas que pecavam na dedicação ficaram pelo caminho. Juntamente com seus fiéis escudeiros dominou o tênis, pois conseguiram aliar tudo que é necessário pra vencer e se manter no topo nesse esporte tão competitivo. A partir deles não só talento ou dedicação era necessário. Precisava aliar as duas coisas e força mental, ou não teria espaço nos grandes torneios.

Mas na minha ânsia por achar defeitos, comecei a buscar falhas em Federer. Não é possível! Muito habilidoso e dedicado, com foco na carreira, sempre buscando elevar seu nível e não desperdiçando nenhuma gota do seu talento natural (e que talento!!!). Educado nas vitórias e nas derrotas, bom marido e pai, ativista de causas sociais nobres, respeitado e admirado por onde andou. Federer desfilou o seu talento nas quadras e na vida, transformou o difícil em fácil, o complicado em simples, torcedores em fãs, adversários em amigos, problemas em soluções. O tênis precisará se reinventar pra suprir sua ausência, mesmo com Nadal e Djokovic ainda em alto nível. Assim, fica difícil. Obrigado Federer. A perfeição existe.


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