De filho para pai

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Por Diego Werneck  •  10 de Maio de 2019

Por Diego Werneck

O esporte de maneira geral, e o tênis em particular, costumam contar histórias de superação, predestinação, talentos natos, dentre outros incríveis enredos. Não são incomuns grandes campeões e ídolos revelarem, após alcançarem tais status, os caminhos que trilharam até a fama e o topo de suas carreiras, por vezes com direito a roteiros dignos de filme ou novela.

Mas e quando, mesmo bem antes de um possível ápice, nos deparamos com uma história que já nasce surpreendente? Como deixar passar despercebida uma jovem promessa, ainda em início de formação, mas que desde o seu primeiro contato com a raquete já demonstra a desenvoltura que muitos não conseguem mesmo com muito treinamento e jogos? E, para além disso, ainda inspira toda a família a segui-lo dentro das quadras e muda completamente a vida dos pais e da irmã?

Pedro Neves de Mello é um menino de sete anos de idade, gaúcho de Canoas. Ainda bebê, começando a caminhar, já demonstrava muita destreza com as mãos ao brincar, e com apenas quatro anos completados deixou seus pais boquiabertos ao pedir emprestado uma raquete de plástico e uma bolinha a uma menina em uma praça e começar a desferir golpes certeiros. Detalhe: sem jamais ter tido contato com o esporte ou sequer ter visto alguém jogar tênis antes, afinal os parentes nunca haviam praticado até então o esporte.

Pedro Mello em ação em 2019: estilo e tênis de gente grande.

- Simplesmente ele jogou a bolinha para cima e bateu nela. Assisti estarrecido ele fazendo aquele movimento, acertando todas as bolas, por diversas vezes seguidas - conta Filipe Mello, pai de Pedro.

Após esse dia, Filipe e sua esposa, Márcia, decidiram avaliar melhor para saber se o filho tinha algum tipo de habilidade especial e o levaram para uma aula experimental de tênis em um clube próximo à casa da família, em Canoas. Segundo Filipe, ao final da aula o professor chamou os pais e perguntou há quanto tempo Pedro já jogava tênis.

- Ficamos muito surpresos com a pergunta, pois era exatamente a primeira vez que Pedro havia entrado em uma quadra de tênis - revelou.

A partir da avaliação que os pais receberam, Pedro foi matriculado para treinar no clube com outras crianças. Desde as primeiras aulas, sempre se destacou pela habilidade precoce e instintiva que demonstrava, sobressaindo-se mesmo no meio de crianças mais velhas e com mais tempo de tênis. A desenvoltura acima da média e o interesse do menino fez os pais avançarem na procura por uma estrutura mais adequada na capital Porto Alegre.

- Estou trabalhando com o Pedro há cerca de dois anos e ele demonstrou um desenvolvimento absurdo, tanto técnica quanto psicologicamente. Hoje ele é um jogador, um "mini-profissional" - avalia o seu atual técnico no clube Grêmio Náutico União, Guilherme Gijsen.

Essa rápida evolução já se traduz em importantes títulos conquistados nos últimos meses: campeão do Banana Bowl e do Brasil Juniors Cup (antiga Copa Gerdau), dois dos principais torneios infanto-juvenis da América Latina, na categoria 8 anos, portanto uma categoria acima da sua idade.

Paixão por jogar tênis muda a vida da família

Embora o talento e os resultados expressivos e precoces chamem a atenção de quem assista ao pequeno Pedro em ação, o que mais impressiona mesmo é a história em si - e não apenas do caçula, mas da família toda. Além dos pais, a irmã Júlia também começou a jogar tênis incentivada pelo irmão e hoje disputa o circuito juvenil assim como Pedro, inclusive tendo vencido a última etapa do circuito gaúcho na categoria 14 anos. O pai, Filipe, que era sedentário, também se apaixonou pelo esporte e disputa torneios e a mãe, Márcia, aprendeu a jogar motivada pelos filhos e pelo marido. Assim, a família tem uma rotina de ir para as quadras junta nos finais de semana. Para uma família que não praticava esportes e nunca tinha tido contato com o tênis até três anos atrás, não deixa de ser surpreendente uma mudança de estilo de vida tão repentina e intensa.

Pedro desenha seu sonho: ser número 1 do mundo no tênis.

Ao ser perguntado do que mais gosta no tênis, Pedro não titubeia ao responder: "Gosto de competir, disputar torneios". O pai, porém, garante que o menino também adora treinar ou mesmo jogar partidas amistosas, e que inclusive pergunta toda noite se vai ter treino no dia seguinte. Mesmo tendo que aprender a conviver com a responsabilidade e pressão de competir e vencer desde tão jovem, Pedro parece não sentir esse peso de forma negativa. Pelo contrário: afirma que sonha ser jogador profissional e número um do mundo. Ainda que seja muito cedo para fazer qualquer previsão ou prognóstico, os caminhos até agora parecem estar se abrindo para o pequeno notável, que já tem até, segundo o pai, um convite de uma academia espanhola para ir fazer uma temporada de testes e treinos na Europa.

Talentos precoces: bom ou ruim para uma futura carreira?

Toda essa rápida evolução de Pedro, que inclusive levou a família a se desfazer do seu negócio próprio em Canoas e se mudar para Porto Alegre a fim de facilitar a logística de treinos e competições, e assim recomeçar a vida em uma cidade, um trabalho e escolas diferentes, pode gerar tanto benefícios quanto dificuldades, em especial para uma família sem tantos recursos. Ao mesmo tempo que é difícil manter uma criança treinando e disputando torneios de tênis - um esporte reconhecidamente caro para os padrões médios brasileiros -, por outro lado uma possível futura carreira profissional poderia representar o retorno desse investimento e uma mudança sócio-econômica significativa. A pergunta que surge é: descobrir um talento e começar a desenvolvê-lo tão cedo realmente ajuda ou pode atrapalhar na difícil missão de chegar ao tênis profissional?

- Uma estatística comprova que 80% das crianças que têm sucesso com 12 anos não chega em lugar algum, pelo fato dos resultados nessa faixa etária estarem vinculados ao talento. Depois dessa idade, se baseiam muito mais no trabalho físico e técnico - afirma o técnico de equipes de competição e responsável pela Escolinha Guga Kuerten em Niterói (RJ), Sylvio Bastos.

Já para o multicampeão e um dos maiores ídolos do tênis brasileiro, Thomaz Koch, começar bem jovem é bom, e ele usa seu próprio exemplo para justificar.

- Iniciar a competir cedo é mais positivo. Quatro, cinco anos é a idade ideal pra começar, e eu sou o exemplo disso - avalia o ex-tenista profissional, que no entanto faz uma ressalva: "É fato que crianças com mais coordenação motora levam muita vantagem sobre as demais em quase todos os esportes com bola. O problema maior é a expectativa que se gera, geralmente dos próprios pais, que acreditam que os filhos jogam muito mais do que realmente jogam. Há pouquíssimas exceções - afirma o ex-jogador.


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