Fino trato - parte 2

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Por Raphael Favilla  •  28 de Julho de 2021

Os duelos disputados no Ariake Tennis Park continuam a mil. Djokovic segue na competição, mantendo vivo o sonho pelo inédito ouro olímpico. Na disputa feminina, a zebra deu as caras de forma surpreendente.


Depois da honra em acender o caldeirão olímpico na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Tóquio 2020, a superestrela japonesa Naomi Osaka foi eliminada pela tcheca 42 do mundo Marketa Vondrousova. Osaka, de 23 anos, é a maior ídola esportiva da atualidade no Japão e era uma das favoritas à medalha de ouro.


O Brasil segue com esperanças de beliscar um pódio. Luisa Stefani e Laura Pigossi desbancaram favoritas e estão nas quartas de final. Stefani estreia nas duplas mistas nesta quarta-feira ao lado de Marcelo Melo.


Conversamos com Fernando Meligeni sobre os Jogos de Tóquio. O bate-papo rendeu uma ótima entrevista, como de praxe acontece nas entrevistas com Fininho. Dessa forma, decidimos publicá-la em duas partes.


Na primeira, Meligeni relembrou de sua participação em Atlanta 1996 e falou da emoção em disputar uma competição olímpica. Não deixe de conferir aqui!


Nesta segunda parte, Fininho aborda o momento da modalidade no Brasil. Afinal, o tênis brasileiro um dia irá deslanchar ou viveremos eternamente sob a sombra dos resultados de um ídolo como foi Gustavo Kuerten? Confira abaixo o que rolou nessa conversa.


Muito se falou e se discutiu sobre o legado das Olimpíadas para o Brasil. Hoje, olhando esse hiato de cinco anos, entre a Rio 2016 e Tóquio 2020, você enxerga que evoluímos em algum segmento, não só no tênis, mas no esporte em geral?


Fui duramente criticado porque me posicionei contra a Olimpíada no Brasil. Sempre fui contra. Eu acho que para trazer uma Olimpíada pro país você tem que estar preparado. Não é como comprar uma casa, que você compra e depois decide chamar o arquiteto para decidir o que fazer dentro dela. A gente pegou uma Olimpíada sem nenhum tipo de ideia do que ia fazer. Qual era o objetivo? Vamos trazer a Olimpíada para fomentar o esporte? Para conquistar muitas medalhas? Pra quê?


Pelo visto, nem uma coisa nem outra…


O que foi que se viu na Olimpíada? Um monte de mentiras. “Ah, o país não vai gastar nada, tudo vai ser com a iniciativa privada”. Todo mundo sabia que era mentira. E não estou politizando isso. Porque eu não tenho dúvida de que se fosse a direita, a esquerda, o centro, ou o ‘centrão’, seja o que for, que se tivesse a oportunidade de trazer as Olimpíadas para ficar bem na fita, o político faria isso. Só que usaram o esporte da pior maneira possível. Gastaram muito dinheiro, colocaram muita coisa, e aí era óbvio que não viraríamos uma potência como é o Canadá, a Inglaterra, a China, Espanha… o que ia acontecer? A gente ia ganhar duas medalhas, três medalhas a mais, e aí iríamos perguntar ‘quanto se gastou?” Tanto. E quantas medalhas ganhamos? Vinte, sei lá. Tal número dividido por vinte, cada medalha custou tanto. Era óbvio que isso iria acontecer e claro que foi isso que aconteceu. E depois faz o que? Nada. Por que? Porque escolheram o melhor lugar para se fazer olhando pelo lado do marketing, que foi o Rio de Janeiro. O Rio é maravilhoso, eu amo o Rio. Mas é um lugar que o esporte concorre com a praia, com o sol, com o samba, Carnaval. Não era lugar pra fazer a Olimpíada.


Onde deveria ser realizada?


São Paulo. “Ah, mas você é paulista”, vão falar. Mas não é isso. São Paulo é o centro do Brasil no esporte. Então não se olhou nada. Não se fez planejamento, não se fez nada. Não se fez um projeto de base para fomentar o esporte a partir de uma Olimpíada. Agora a arena do tênis tá virando estacionamento, etc. A gente já sabia. Eu posso falar bastante porque trabalhava na ESPN e fazia um programa no qual trouxe para entrevistar o ministro dos esportes à época, trouxe o cara do Comitê Olímpico Brasileiro. Coloquei o dedo na ferida deles. E eles reclamavam, falavam que nós do programa éramos xiitas, brigadores. Cadê hoje o Picciani, que foi o ministro naquele momento? Ele me falou ao vivo que eu só reclamava. E hoje, cadê a arena do tênis funcionando? Agora ele desaparece. Politizamos a vacina, politizamos a saúde, o esporte, a Olimpíada. A gente vive politizando tudo no Brasil. Enquanto isso acontecer o esporte vai continuar sangrando. A gente não encara o esporte como uma ferramenta necessária pro desenvolvimento do jovem. O resultado vem pela quantidade de gente que temos e pelo respeito que se tem pelo esporte. Mas a quantidade é diferente…



Nos anos 2000, Meligeni fala à Nittenis na Pousada Bomtempo


Então você diria que o problema no tênis é estrutural, que ele precisa de planejamento, iniciativas e ações que tenham uma base voltada para resultados de longo prazo?


O tênis vive um problema que todos os esportes vivem no Brasil: a falta de planejamento. Falta de diretriz. Óbvio que a gente tem problema de dinheiro também. Mas quando a gente teve dinheiro a gente não sabia onde investir. Eu falo isso muito. O Brasil corre atrás do rabo o tempo inteiro. Quando tem dinheiro parece que não tem alguém que olhe. Quando não tem dinheiro tem um cara incrível. Só que não tem dinheiro e aí não consegue fazer, está com muita dívida. Fica o tempo inteiro isso.


A primeira de encarar o esporte e o tênis no Brasil é assim: quanto a gente tem e o que queremos ter daqui a quatro, cinco anos? Eu acho que a CBT tá tentando fazer coisas diferentes, tá tentando se mexer. Só que pegou o final da Olimpíada, curva descendente onde todo mundo tirou o dinheiro. E era óbvio que isso ia acontecer. Encheram de dinheiro, não ganhamos nenhuma medalha… Não temos nem Ministro dos Esportes, na porta de quem você vai bater em Brasília? Com quem você vai brigar? Ninguém. Então, quando a gente olha o tênis, fica muito difícil saber qual o objetivo. Pra onde a gente tá correndo? Qual o objetivo? Ter mais gente jogando? Ter mais top 100? Ter mais juvenil jogando bem? Dentro do dinheiro que tem, do pouco dinheiro que tem, está tentando se fazer. Só que a gente perdeu cinco anos. Desculpa, eu fui capitão de Copa Davis, é preciso falar: a gente perdeu cinco anos. E tinha patrocínio de estatal, tinha dinheiro pra caramba. Mas não se usou bem usado. Não se olhou pra base. Brasileiro gosta de medalha.


Olha só pro resultado final, né?


Escrevi um texto recentemente. Os nossos ídolos não têm capa. Os grandes nomes não são campeões. A gente tem que parar de olhar o cara que é Super Homem e o cara que é campeão. Temos que ter humildade. A gente não é Estados Unidos, não é Canadá, não é Inglaterra. Eu acho que a gente já tem resultado pra caramba. A aparição de um Guga. Voleibol ser o melhor do mundo. Futebol ter sido o melhor do mundo durante muitos anos. Temos o melhor surfista do mundo… Eu acho que o pouco que se dá e o retorno que se tem estamos muito à frente dos EUA...


Relativamente é…


Não, é? O Isaías… pelo amor de Deus! Canoagem no Brasil? De onde saiu esse cara? Eu fazia programa de televisão, conheci a Natália Falavigna. Campeã mundial. Você vai olhar a casa dela, você pensa: “não é possível que ela mora aqui”. Isso é respeito com o esporte? Quando a gente coloca isso macro, é muito difícil. A gente tá correndo contra o tempo.


Aproveitando suas raízes, você diria que a Argentina seria uma boa referência para nós? Um país menor, mais pobre, e que consegue colocar muitos atletas no top 100…


Você sabe qual a diferença da Argentina? Lá o tenista e o atleta já sabem que não podem depender do governo ou da federação. Ele já nasce e o pai fala “olha, estamos lascados”. Aqui a gente sempre tem alguma coisa. “Não tem muito dinheiro, mas tem um pouco. Não tem pra fazer a sua carreira perfeita, mas já consigo te dar uma ajuda de custo de 1.500 reais”. Sabe aquela coisa do puxadinho? Bem jeitinho brasileiro? Eu prefiro um país que fala “a partir de agora não tem mais dinheiro, não ajudamos ninguém”. Aí o atleta fica cascudo. Aqui o cara tem 25 anos ganha bolsa pódio, bolsa isso, bolsa aquilo. Ou seja, não tem a preparação perfeita nem tem a preparação. Então fica no meio termo, mas também se acomoda e tal. Tem uma expressão que eu sempre uso, e falo pouco sobre isso, mas que usava muito quando jogava. Chegava para um menino e perguntava “se eu te der mil dólares você vai para a Europa e fica lá?”. Qual resposta você acha que eu recebia? “Ah, mas mil dólares não dá pra fazer nada”. Dá mil dólares e a passagem para um argentino. Ele fica dois anos. Dorme em estação de trem, dá aulas de tênis, etc, e vai. Porque ele sabe que essa grana é o máximo que ele vai ter. E com essa grana ele vai ter que fazer sua carreira. O brasileiro não vai querer dormir em estação de trem. Vai preferir ficar em casa. Por isso que a Argentina não é nosso exemplo, porque a gente está no meio termo. A gente não é Argentina mas também não somos os Estados Unidos, as grandes potências do esporte. Estamos bem no meio. O cara que ganha mas não ganha.


Gera uma acomodação, né?


E eu não sei como sair disso. É a história do cachorro que fica correndo atrás do próprio rabo. Qual a verdade do esporte brasileiro? Pega o exemplo do ciclo olímpico, quatro anos, do Diego Hypólito. Acaba a Olimpíada, perdeu a medalha? Perde todos os patrocinadores. Aí começa a pedir esmola. Um ano, dois anos. Sabe que tem que se segurar. Ganha aqui, faz uma rifa ali. Aí no terceiro ano começam a falar novamente de Olimpíadas, aí aparece o primeiro patrocinador dando uma grana. Aí aparece o segundo. Chega o último ano, aí ele ganha dinheiro. Só que ele já perdeu dois anos. Quase desistiu durante esses dois anos, ficou puto. As empresas só aparecem no último ano, aí ele segura um dinheiro porque sabe que no próximo ciclo a história vai se repetir. Isso é justiça com o atleta? Ou se dá ou não se dá.


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