Histórias de superação: da luta pela vida às vitórias nas quadras

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Por Raphael Favilla  •  23 de Maio de 2021

Superação. Palavra de origem latina que denota a ação de vencer, ou de ultrapassar uma situação desagradável. Sobrepujamento.


Tornou-se termo recorrente na história de vida de atletas, profissionais ou amadores, medalhistas olímpicos ou simples amantes do esporte. Em grande parte de seus discursos, eles apontam a importância de terem persistido, perseverado e buscado caminhos alternativos às dificuldades impostas para construir uma trajetória vitoriosa. A esse resultado na solução de problemas é dado o nome de superação.


Quem vê pela primeira vez o niteroiense Alex Campos batendo uma bola nas quadras da Fox Tennis, em São Gonçalo, ou da Total Tennis, em Pendotiba, não imagina sua trajetória até ali, “lutando e correndo por toda jogada como se fosse o último ponto”, como ele mesmo descreve.


Perto de completar 50 anos, Alex por pouco não teve a chance de nos contar sua história. “Minha garganta inchou e dobrou de tamanho em minutos. A glote começou a fechar. Tive choque anafilático, quase morri”, lembra do episódio, vivido em 2005.


A reação que quase o matou aconteceu no pronto-socorro, onde dava entrada procurando ajuda para tratar de um outro infortúnio. Na tentativa de cuidar do paciente que sequer conseguia andar, os médicos aplicaram-lhe uma injeção. Nem Alex nem os profissionais de saúde sabiam, mas ele era alérgico ao anti-inflamatório injetado. A prescrição médica precipitada quase lhe custou a vida.


Naquela época, o hoje empresário do ramo contábil vivia uma vida desregrada. Dormia pouco, se alimentava mal. “Comecei a trabalhar bastante, e entrei numa onda de zoação e bebida. Bebia quase todo dia”, recorda Alex.


Cotidiano aquele muito diferente do experienciado em sua juventude. “Sempre fui muito ativo. Sempre fui do esporte. Pratiquei handebol, surfe, capoeira”. Mas foi em outra categoria que Alex contou ter sido destaque, apesar da limitação de altura. “Mesmo tendo pouca estatura fui campeão diversas vezes no vôlei, como levantador. Conseguia sair um metro do chão com minha impulsão”.




A prática de diversas atividades físicas acabou rendendo a Alex uma lesão que iria acompanhá-lo por muito tempo. “Meu ombro sempre deslocava. Saiu do lugar em nove situações. Doía demais. Como eu não ganhava dinheiro para sentir dor, acabei abandonando o esporte”.


Levando uma vida sedentária, trabalhando muito sem praticar atividades físicas, Alex pensou tratar-se de sintomas rotineiros quando amanheceu no fatídico dia da emergência com dores no corpo. “Acordei me sentindo gripado, fraco. Uma gripe normal, uma ressaca. Nada diferente do que estava habituado a sentir”.


Mas o mal-estar evoluiu. “Passei a não sentir minha perna esquerda. Aos poucos comecei a perceber dificuldade em falar. O braço direito ficou sem força”. Foi então que correu para a unidade hospitalar mais próxima, onde lutaria pela vida após o quadro de choque anafilático.


Revertida a condição de quase morte, Alex recebeu alta. “Mas eu continuo sem conseguir andar, vim para o hospital para tratar dessa paralisia”, reclamou com o médico. Começava ali uma “peregrinação”, segundo suas palavras, para encontrarem o diagnóstico correto de seu estado.


Com exames mais aprofundados, a investigação descartou a hipótese de esclerose múltipla e apontou como causa da paralisia uma condição médica relativamente grave e bastante peculiar. O que de fato Alex havia contraído é conhecida como a síndrome de Guillain-Barré.


A SGB é uma inflamação grave nos nervos do paciente. Essa inflamação é provocada por uma reação autoimune da pessoa, ou seja, o paciente começa a produzir anticorpos que atacam os seus próprios nervos. A síndrome impede que os nervos transmitam bem seus sinais do cérebro para os músculos, e isso leva a formigamentos, fraqueza, dificuldade de andar, ou a paralisia dos membros e dos músculos da respiração. Não se sabe a causa exata da síndrome, mas ela está relacionada a infeções bacterianas e virais.


A maioria dos pacientes se reabilita e volta a andar em até um ano de tratamento. Outros têm maior dificuldade, e precisam de muitos anos para a total recuperação.


“Só voltei a andar depois de seis meses. Andava com muita dificuldade, e minha perna chegou a atrofiar. Fiz muita fisioterapia, hidroterapia, pilates, buscando a volta da mobilidade”, relembra.


Foram momentos de incerteza e frustração pela doença, que logo se converteram em motivação para voltar à vida normal. “Me prometeram que a solução para meu problema era a fisioterapia. Então me agarrei à rotina de sessões de exercícios para me reabilitar e sair daquela condição”.


“Estudos demonstram que pacientes acometidos com a SGB que praticam atividades físicas – principalmente aquelas de grande esforço físico, como o tênis – conseguem atingir uma porcentagem maior de recuperação das funções motoras quando comparados a pacientes que não se submetem aos exercícios. A fadiga, sintoma comum que persiste nos pacientes, também é diminuída. É um benefício permanente porque sempre que ocorre a recuperação após uma lesão dos nervos periféricos a pessoa nunca volta a ser 100% como era antes. Ela sempre fica um pouco abaixo do desempenho motor que existia previamente. Então, se o paciente mantiver uma atividade física constante após a lesão, é capaz de compensar essa porcentagem que está pra sempre perdida da função dos músculos”, nos explica o médico neurologista e professor da UFRJ, Gabriel Micheli.


Esporte e readaptação


Foi quando, entre uma sessão fisioterápica e outra, o tênis entrou na vida de Alex. “Estava com meu primo assistindo TV. E começamos a ver um jogo do Federer. Me deu um estalo e coloquei na cabeça que aprenderia aquela modalidade. Lembrei que tinha uma quadra perto de casa, e logo marquei de bater uma bolinha por lá”.


E desde então não parou mais. Já são oito anos sem largar as raquetes, treinando toda semana de duas a cinco horas por dia, fato que tornou Alex figurinha conhecida e carimbada em diversas quadras espalhadas por São Gonçalo, Niterói, Rio de Janeiro e Itaboraí. A atrofia no músculo da perna persiste até hoje, penúria que “serve como incentivo para continuar buscando ultrapassar barreiras que a vida impõe”, explica o atleta-contador.


“Ele sempre foi um cara muito dedicado e realista”, conta Philippe Rohan, dono da Fox Tennis e que, ao lado do irmão Luhan, ajuda nos treinamentos de Alex. “Por ser muito controlado emocionalmente, ele reconhece suas limitações e sabe até onde pode chegar. Sempre teve um estilo de jogo muito aguerrido, muito lutador em quadra. É uma característica própria, bem parecida com sua história de vida. Passa horas por dia treinando para aperfeiçoar a parte técnica. Acredito que se deva ao fato de que ele tenha enxergado no esporte uma possibilidade de sentir-se vivo novamente, de poder se mover, de poder ser competitivo, de buscar evoluir, vencer obstáculos”, analisa.


O ponto de vista do treinador Phillipe vai ao encontro da visão defendida pelo professor de Educação Física e mestre em treinamento esportivo na área de psicologia, Israel Costa.


“O esporte tem grande importância no sentido de resgatar pessoas para a sociedade. Muitas das vezes, quando alguém sofre um acidente e fica com alguma limitação física, o primeiro sentimento é de limitação social, pois elas pensam que não conseguirão realizar as mesmas atividades antes realizadas. A prática do esporte auxilia no sentido de mostrar para essas pessoas que elas podem superar obstáculos e voltar à vida social. Através do esporte, acabam desenvolvendo diversos valores psicológicos e fisiológicos. Podemos citar concentração, controle emocional, atenção, controle do estresse e da ansiedade, sensação de alegria e prazer, melhoria do condicionamento físico, entre tantos outros benefícios. E assim, acabam retornando à sociedade como pessoas mais produtivas que antes”, destaca.


Vida nova, novos desafios


O que começou como uma prática de atividade física voltada para recuperação muscular e motora, logo deu espaço à dedicação para competir em bom nível nos torneios da Federação de Tênis do Estado do Rio de Janeiro e Confederação Brasileira de Tênis. Alex hoje empilha dezenas de troféus, conquistados em competições sêniors, circuitos classe A e profissional.




“Tenho treinado bastante, me dedicado horas por dia. Quem sabe eu não consiga marcar um pontinho no ATP, mesmo com 50 anos? Vitalidade eu tenho, sonhar não custa nada”, brinca o niteroiense, com a possibilidade de marcar em sua história mais um feito.


Mas Alex faz questão de frisar que já realizou seu objetivo, e que sua maior conquista é por si só estar competindo, como naquela velha máxima dita em 1908, momentos antes do início dos Jogos de Londres. “O importante não é vencer, é competir”.


E por falar em Olimpíadas, é bom lembrar que o grego já competia na Antiguidade, porém sua busca pela vitória fundamentava-se no superar-se, no romper barreiras individuais, para então alcançar o seu máximo na competição em que participava e assim aproximar-se de uma condição divina. A vitória sobre o adversário era uma decorrência desse processo. Para a sociedade grega helênica, os vitoriosos seriam todos aqueles que superassem seus limites físicos e morais.


“Comecei no esporte para melhorar minha saúde. Hoje o tênis é meu estilo de vida, faço tudo em prol dele. Quando não estou competindo, estou ajudando garotos a rebater, dando dicas nos treinamentos, procurando passar conhecimento, o que aprendi ao longo dos anos. Faz assim, faz assado. Ganhar troféu pouco me importa. Importante é estar aqui, me divertindo com as pessoas. Aprendendo e compartilhando. Pra mim o tênis não é uma disputa de quem ganha ou perde, é uma prova de superação. Então eu estou sempre ganhando, de uma forma ou de outra”, define Alex.


“Se de alguma forma eu puder impulsionar o esporte baseado no que eu faço, na minha organização, disciplina, dedicação, na minha história de superação, para mim já é uma glória”, continua Alex. “Eu tento passar para a garotada a importância de traçar metas. Nunca abandonar seus sonhos. Eu falei pra mim mesmo que ia voltar a andar. Hoje estou aqui, jogando cinco horas de tênis por dia. Nada melhor que uma história de superação para lembrarmos que nada é impossível”, conclui.


"Se você quer ter certeza

que vai ser um tenista

bem-sucedido,

faça ser divertido ".


Ivan Lendl

(ex-número um do mundo)



“O tênis traz às pessoas o poder de ter uma disciplina. É uma modalidade que requer concentração, repetição, muitas horas de treinamento para atingir um bom nível. Só sobrevive no esporte aqueles que perseveram, que se adaptam. Assim como o camaleão, que se adequa ao meio para sobreviver. O bom tenista se adapta a inúmeras variáveis, climáticas, tipo de piso, adversário. Em tempos de pandemia global, é bom termos um exemplo como do Alex. Com muita resiliência e força mental, ele se adaptou às novas condições para seguir a vida. E se para ele foi possível, mesmo depois de contrair uma doença rara, também é possível para todos nós enfrentarmos nossas perdas, superarmos adversidades como as que a Covid-19 nos trouxeram. Nós não viemos ao mundo a passeio, e todos temos coisas para aqui fazer”, analisa o psicólogo do esporte, Aparício Meneses, conhecido no tênis como "Pê".


Que a história do Alex, e de tantas outras de superação, não nos deixe esquecer dos princípios do espírito olímpico e do Movimento Olímpico reformador, que “entendia que o esporte tinha indiscutíveis potencialidades educativas e que generalizá-las era contribuir para uma sociedade mais saudável, logo mais desenvolvida”.


E que os ensinamentos do Barão de Coubertin, que dizia que “o mais importante nos Jogos Olímpicos não é ganhar, mas participar, tal como a coisa mais importante da vida não é o triunfo, mas a luta, e o essencial não é conquistar, mas ter lutado com dignidade”, voltem a ser praticados.


Fotos: Arquivo / Alex Campos


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