Quando o esporte ressignifica uma vida

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Por Raphael Favilla  •  21 de Junho de 2021

Sonhos, objetivos, desejos: todo ser humano carrega metas dentro de si. Para grande parte das pessoas é exatamente tudo isso que as motiva diariamente a levantar da cama e seguir em frente, sempre com o anseio em conquistá-las.


Sabemos, também, que um grupo seleto de pessoas traz consigo uma dose extra de força de vontade para superar obstáculos, que acaba as diferenciando das demais.


Um bom exemplo é o mineiro Gustavo Carneiro, que acaba de garantir vaga para disputar as Paralimpíadas de Tóquio, na categoria Open do tênis em cadeira de rodas. A convocação é a consagração de uma rotina voltada única e exclusivamente para este fim, com muita dedicação e suor.


Natural de Uberlândia, Gustavo sempre se destacou nos esportes. “Fui campeão mineiro de tênis na adolescência, vice-campeão brasileiro de peteca, campeão brasileiro de squash, joguei futevôlei e desde os 15 anos sempre gostei de correr”, conta.


“Sempre fui o louco dos esportes, sou aquela pessoa que não consegue ficar um dia sem treinar.

E sempre disse que esporte é o melhor remédio. Quantos casos conhecemos de pessoas sedentárias, com taxas ruins e tomando remédios, que começaram a fazer uma atividade física e mudaram suas vidas? O esporte ensina muito para nossa vida, ensina que a dedicação gera resultados positivos e que podemos sempre superar as dificuldades”, acrescenta.


Gustavo teve ascensão meteórica no esporte adaptado. Começou a jogar o tênis em cadeira de rodas em janeiro de 2018, apenas dois meses depois de amputar a perna esquerda em decorrência de um câncer.


"Em 2013 tive um câncer na perna esquerda. Fiz cirurgia para retirar o tumor, quimioterapia e radioterapia. Mas em 2017 o câncer voltou, e precisei amputar parte da perna esquerda", conta Carneiro, que naquela época conciliava os esportes com seu trabalho como administrador de empresas.


“Quando amputei a perna em outubro de 2017 resolvi mudar a minha vida. Entendi que estava tendo uma segunda chance de realizar um sonho: ser um atleta profissional e participar de uma Olimpíada, no caso, uma Paralimpíada. Depois que amputei, escolhi o tênis como o esporte que me levaria a Tóquio. Com cinco dias já estava na fisioterapia e com 14 dias estava fazendo musculação. Com 40 dias os médicos me liberaram para jogar tênis. Larguei meu emprego para me dedicar 100% ao esporte e precisei treinar muito para ter uma chance de classificar, já que estava começando no tênis em cadeira de rodas e o tempo era curto pra aprender e jogar bem a ponto de conseguir a vaga paralímpica”, relembra.


Ao fim do primeiro ano de treinos, Gustavo já figurava como 86º do mundo e terceiro melhor do Brasil. Em 2019, foi convocado para representar o país no Mundial em Israel e nos Jogos Parapan-Americanos, no Peru. Terminou aquele ano como número dois do Brasil e 35 do mundo.


Quando o anúncio da vaga para Tóquio chegou, foi uma festa. Todo esforço, enfim, havia valido a pena.



Atleta comemora a tão sonhada vaga para Tóquio


“É uma dupla felicidade. Primeiro, uma alegria como atleta. Eu já estava matematicamente classificado há algum tempo, mas receber oficialmente a notícia é diferente, o coração dispara. E em segundo lugar é uma vitória pessoal. Há 3 anos e 7 meses, quando soube que iria amputar a perna em função de um câncer, decidi que iria mudar a minha vida. Me tornar atleta profissional e jogar as próximas Paralimpíadas. Nos últimos dias, após a classificação, um filme tem passado na minha cabeça todos os dias. Toda a minha luta, tudo o que aconteceu, todas as conquistas, todas as dificuldades, não tem como não estar duplamente feliz e realizado”, comemora.


“Tirei a semana passada para descansar, já que há 35 dias estava disputando torneios na Europa.

Voltei aos treinos nesta semana.  Agora é momento de estar ainda mais focado, mais concentrado e mais atento ao controle de carga para evitar lesão. O ciclo de classificação durou um ano, logicamente que houve alterações em função da pandemia. Consideraram o período de classificação desde março de 2019 até 7 de junho deste ano, o que até me beneficiou, já que em 2019 ganhei três torneios. Lá estarão os melhores jogadores do mundo, não tem como não ser muito duro e imprevisível. Todo atleta pensa numa medalha olímpica e não sou diferente. Mas o que venho mentalizando é conseguir jogar o meu melhor tênis, jogar solto e feliz, os resultados serão consequência disto”, pontua.


Superação, uma paixão


Estabelecer metas e superá-las é uma constante na vida de Gustavo.


Em meio às disputas profissionais sobre uma cadeira de rodas em 2018, Carneiro chegou a se aventurar em outra paixão, a corrida. Em maio daquele ano, cinco meses após amputar a perna e apenas dois meses utilizando uma prótese, o mineiro participou da corrida de montanha mais difícil do mundo, a Ultra Fiord, na Patagônia chilena.


O objetivo era completar a prova andando por 15h, o que já seria um grande feito. Mas foram precisos 27h caminhando com a prótese e o apoio de duas muletas.


“A Ultra Fiord realmente é muito difícil. Eu e a equipe sofremos muito, pois não levamos comida para 27h. Enfrentamos a noite sem dormir, com temperatura de cinco graus negativos. Passamos frio, fome, medo. Durante a madrugada começou a chover muito. Já não sabíamos mais que horas chegaríamos e um pouco de desespero começou a bater”, conta.


“A Ultra Fiord me ensinou que não conhecemos nossos limites e que podemos fazer coisas que nem imaginamos. Essa experiência mudou a maneira como encaro os desafios, e consequentemente me ajudou a acreditar que Tóquio seria possível”.


“Mas o foco total é o tênis, pois ainda estou longe de onde quero e vou chegar. A corrida é um complemento, sempre amei correr e voltar a correr era um dos meus sonhos”, acrescenta.


Feitos na corrida. Títulos no tênis. Nada disso seria possível se Gustavo Carneiro não tivesse aceitado e enfrentado sua condição. “É o que eu sempre falo. Tem que aceitar. Se eu não tivesse aceitado a amputação da perna, estaria reclamando da vida, de cabeça baixa. A maneira como a gente encara os problemas é o que faz a diferença”.


“E tem uma coisa que eu aprendi nesse processo meu. Nós somos capazes de fazer coisas que a gente nem imagina. Se a gente acha que o máximo é aqui, o máximo é acima. A gente pode ir além do que a gente acha é o nosso máximo”, conclui.


Tênis brasileiro paralímpico


A lista divulgada pela Federação Internacional de Tênis trouxe cinco brasileiros classificados para os Jogos Paralímpicos de Tóquio. Os duelos serão disputados em quadras duras, entre os dias 27 de agosto a 5 de setembro.


Além de Gustavo Carneiro, o tênis paralímpico brasileiro terá mais três representantes na categoria Open. Juntam-se a ele Rafael Medeiros e Daniel Rodrigues, bronze nos ParaPan-Americanos de 2015 e 2019. Já Meirycoll Duval representará o país no Open Feminino.


Na categoria Quad (atletas com deficiência nos membros inferiores e superiores), teremos Ymanitu Silva. Com 38 anos, o catarinense top 10 mundial da categoria conquistou três títulos recentes na gira europeia e é esperança de medalha para o Brasil.

Créditos fotos: Reprodução instagram / Gustavo Carneiro


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