Realidades diferentes, objetivos em comum. Os sonhos de João Fonseca e Gustavo Almeida

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Por Raphael Favilla  •  14 de Dezembro de 2022

João Fonseca, Gustavo Almeida e Pedro Rodrigues gravaram seus nomes na história do tênis brasileiro. Comandados pelo treinador Rodrigo Ferreiro, o trio de jovens tenistas conquistou, em novembro, o título inédito da Copa Davis Júnior para o Brasil.

O torneio é realizado desde 1995 para atletas de até 16 anos e esse é o melhor resultado do país desde 2006, quando conquistou o terceiro lugar na Espanha com André Stábile, Fabrício Neis e Henrique Cunha.

Considerados prodígios pela ITF, Gustavo Almeida e João Fonseca estiveram presentes na última semana no Rio de Janeiro para a disputa do Maria Esther Bueno Cup, torneio que reuniu oito dos melhores tenistas da nova geração brasileira, com até 24 anos. O paulista Mateus Alves sagrou-se campeão do torneio e, de quebra, faturou um convite para jogar a chave principal do Rio Open em fevereiro.

Entre uma partida e outra, os garotos toparam um bate-papo com a Nittenis para falar sobre a carreira, os próximos passos na transição do juvenil para o profissional e, claro, a conquista da Davis.

“A experiência foi sensacional. Saímos do Sul-Americano invictos, e chegamos ao Mundial sabendo que tínhamos chances de ganhar. Mas também conscientes que as outras equipes eram muito fortes. Sabíamos que não ia ser fácil, mas estávamos focados e confiamos em nosso potencial. Treinamos muito firme, mas sem deixar de lado o companheirismo e os momentos de descontração”, contou Gustavo Almeida, sobre os dias de convívio entre os jovens tenistas durante a principal competição entre países da categoria.

O reencontro dos garotos na Maria Esther Bueno Cup

O palco escolhido para abrigar a terceira edição da MEB Cup foi o Rio de Janeiro Country Club. A competição movimentou o renomado clube, que raramente recebe em suas instalações tantos sócios e visitantes em um único dia como visto na noite de abertura do evento, na última quarta-feira (7).

Apenas um distinto grupo tem o privilégio de frequentar as dependências do clube, acomodado entre as areias da praia de Ipanema, quase Leblon, e a Lagoa Rodrigo de Freitas, região dona de um dos metros quadrados mais valorizados do Brasil.

Pouco mais de 850 sócios conferem ao Country a fama de ser um dos locais mais reservados do país, cuja dificuldade em ser aceito em seu quadro social é notória na cidade. Representante de uma seleta casta nacional de ambientes exclusivos e aristocráticos, seus títulos chegam a ser vendidos por mais de meio milhão de reais.

As seis quadras de saibro do clube são motivo de orgulho para seus sócios, considerada por muitos as melhores da cidade. Não era raro assistir por lá o bate-bola de figuras como Robert Falkenburg, bicampeão em Wimbledon e criador da rede de fast-food Bob’s, e Jorge Paulo Lemann, um dos brasileiros mais ricos do mundo e um dos donos da maior cervejaria do planeta, a AB InBev.

O quórum elevado na primeira rodada da MEB Cup pode ser explicado não só pela curiosidade do público pelo início do torneio, mas por um outro motivo bem especial. É que um representante ilustre do Country Club do Rio de Janeiro se apresentava naquela noite.

Público vibra com João Fonseca 

Aos 16 anos recém-completados, e dono de uma direita poderosa, o carioca João Fonseca desponta como um dos mais promissores tenistas brasileiros da nova geração. Na MEB Cup, Fonseca jogou em casa. Literalmente.

Vizinho do Country, Fonseca começou a bater bola ainda criança no clube onde seus pais eram sócios. Ele tinha apenas 4 anos. Membro de uma família onde todos praticam esportes, o amor pelo tênis veio por conta da mãe, Roberta.

Até os 12 anos, João se dividia entre o tênis e o futebol. Mas o inegável talento, e os promissores e bons resultados conquistados com a raquete nas mãos, fez com que o garoto começasse a chamar atenção no circuito.

Os anos foram passando, Fonseca evoluindo. E 2022 está sendo especial para o adolescente carioca, que já havia terminado a temporada anterior em franca ascensão. João faturou em sequência três títulos de ITF J5 no fim de 2021, que o alçaram ao 300º posto do ranking juvenil. Já na atual temporada, chegou a finais de J1 no Paraguai e Estados Unidos, e ganhou dois títulos de duplas do mesmo porte: no saibro belga de Charleroi-Marcinelle e na quadra rápida do norte-americano  College Park.

“O ano vem sendo muito positivo para mim, pois superei meus objetivos. Minha grande meta estabelecida no início do ano era jogar um Grand Slam juvenil, que seria o US Open, em setembro, mas acabei conseguindo jogar também em Roland Garros e Wimbledon. Comecei o ano como 300 do mundo no ranking juvenil e atualmente estou no top 50. Então, foi um ano em que tudo aconteceu muito rápido. Consegui ter todas essas experiências ainda muito jovem”, contou Fonseca, hoje o melhor brasileiro no ranking juvenil da ITF, ocupando a 45a posição (já foi número 38, em agosto), que sonha em ser o número 1.

Em Roland Garros, fez oitavas. No US Open caiu na primeira rodada e em Wimbledon, seguido de perto por André Sá, exímio conhecedor do All England Club e especialista em quadras de grama, Fonseca superou a estreia mas parou no segundo confronto. “Tudo lá é muito bonito, muito arrumado. Foi o máximo. Era um sonho, desde pequeno, poder jogar lá. O resultado foi bom, já que foi minha estreia na gira sobre a grama. Dias antes disputei o J1 de Roehampton, como preparatório, e lá fiz oitavas. Gostei de jogar na grama porque combina com o meu estilo de jogo, que é agressivo”, contou o carioca, sobre a experiência de participar pela primeira vez do Slam britânico.

Fonseca projeta jogar em 2023 os quatro Grand Slam juvenis. O J1 preparatório para o Aberto da Austrália talvez seja um dos poucos torneios no qual Fonseca ainda planeja disputar na categoria. O carioca quer que sua próxima temporada seja conclusiva na transição do juvenil para o profissional.

“Agora, vou tirar alguns dias de férias em Barcelona, com meu irmão. Após isso faço duas semanas de pré-temporada em quadra rápida, e em janeiro viajo para a Austrália, onde vou jogar o J1 de Traralgon, antes do Australian Open. Depois do Slam está indefinido. Talvez volte para o Rio ou emende torneios por lá. Não sei. Mas o foco é cair no circuito profissional”, disse o jovem, dono de golpes potentes, especialmente seu forehand.

Mal começou a caminhada no profissional e João Fonseca já colhe os frutos. Tendo participado de um quali de challenger no ano passado no Rio e parado na estreia, o carioca recebeu, em outubro, um convite da CBT para jogar a chave principal de um challenger, pela primeira vez na carreira.

Disputado nas quadras de saibro da Rio Tennis Academy, o challenger 80 foi “uma experiência sensacional” para João que, apesar de ser eliminado na primeira rodada para o suíço Jakub Paul, ficou muito feliz e agradecido pela oportunidade de jogar o torneio. “Sei que minha jornada no esporte só está começando. Tenho noção do quanto sou privilegiado. Sou feliz jogando tênis, o esporte pra mim não é um sacrifício, é diversão. Claro que levo muito a sério e tenho uma rotina pesada, me desdobro para levar os estudos, mas certo de que estou correndo atrás do meu sonho", declarou a jovem promessa brasileira, que pensa ainda em fazer faculdade nos Estados Unidos, e disputar o circuito College enquanto cursa Business.

O primeiro ponto na ATP na carreira de Fonseca viria na semana seguinte, ainda na Cidade Maravilhosa, mas jogando sobre uma terra batida mais do que especial para o garoto: nas quadras do Country Club. Convidado da organização, o tenista de 16 anos superou a estreia no M25 do Rio de Janeiro, batendo o compatriota Mateo Reyes em sets diretos. Depois, vitória sobre o argentino Francisco Geschwind, e derrota nas quartas para o conterrâneo Wilson Leite, terminando o torneio com 3 pontos no ranking profissional.

Depois de jogar em casa, o carioca foi para o Rio Grande do Sul e chegou novamente às quartas. Só que dessa vez em nível challenger. Ao superar o argentino Thiago Tirante na estreia do torneio gaúcho, Fonseca se tornou o primeiro tenista nascido em 2006 a conquistar uma vitória em competições deste nível. Um feito histórico. As duas vitórias em São Leopoldo garantiu ao carioca mais 16 pontos pela boa campanha, e fez com que ele saltasse 522 posições no ranking da ATP, aparecendo no 841º posto na semana seguinte.

“Esses convites da Confederação para jogar os challengers são muito importantes para mim, porque tendo essas experiências com a minha idade, faz com que eu tenha mais maturidade e conhecimento no futuro. Ajuda muito nesse momento de transição. Jogando contra os profissionais, meu jogo acaba evoluindo mais rápido”, relatou Fonseca, hoje número 809 da ATP.

Gustavo Almeida quer mais

Fonseca quer absorver, nos campeonatos disputados, o máximo de experiência para poder aprimorar seu jogo. Para isso, quando dá, disputa a chave de duplas em busca de mais rodagem. E, claro, pontos e premiação.

Para o challenger 80 do Rio, o carioca escolheu formar dupla com uma parceria recente, mas cujo entrosamento já rendeu bons frutos: o paranaense Gustavo Almeida.

A parceria de sucesso nasceu no Sul-Americano, em agosto. Durante a semana do torneio juvenil disputado nas quadras de saibro de Tucuman, o Brasil venceu todos os confrontos por 3 a 0 e liderou com folga o Grupo A da competição, passando por Chile, Bolívia, Uruguai e a seleção da casa Argentina na fase de grupos do torneio. A final contra o Paraguai foi decidida em 2 a 0.

Além de vencerem todas as 12 partidas, os tenistas brasileiros perderam apenas um set em 25 disputados na competição. Fonseca venceu quatro jogos em simples e três nas duplas, Almeida venceu quatro partidas de simples e uma na dupla, enquanto Rodrigues venceu dois jogos de simples e mais quatro em duplas.

Na Davis, disputada na Turquia, o caminho do Brasil até a conquista iniciou com Marrocos, Paraguai e França na primeira fase e o time treinado por Rodrigo Ferreiro conquistou o primeiro lugar. Já na fase decisiva, superou a Austrália, a Itália e na final os Estados Unidos.

“Já havia jogado algumas vezes contra o João no circuito. A primeira foi na categoria de 9 anos. Não éramos muito próximos. Mas no Sul-Americano nos aproximamos muito. Virou um irmão. A gente se manda mensagem toda hora. Eu, ele e Pedro [Rodrigues] viramos uma família. Não nos desgrudamos mais”, contou Gustavo, que jogando com Fonseca duplas no Rio marcou seu primeiro ponto na ATP.

Almeida segue, porém, em busca do seu primeiro ponto ATP em simples. Nesta temporada, o garoto teve a oportunidade de jogar dois M15, um em Recife e outro em Brasília. Jogou também M25 no Rio, Lajeado e Vacaria. Foi convidado para disputar os challengers 80 de São Leopoldo e Rio de Janeiro.

“Só peguei casca grossa até aqui. Mas acho que estou no caminho certo. Jogar no profissional com 16 anos é difícil, e não é pra qualquer um”, contou Almeida, que enfrentou os experientes argentinos Federico Coria e Roman Burruchaga no Rio e em Vacaria.

“Ainda estou na transição do juvenil para o profissional. Comecei a jogar esse ano meus primeiros jogos, e o nível do juvenil para o profissional é muito diferente. O ritmo é outro, os tenistas conseguem manter o ritmo no alto o tempo todo, coisa que eu ainda estou tentando implementar. Acho também que preciso melhorar meu jogo mental, para me adequar ao nível de tênis profissional”, analisou o juvenil paranaense, que no início do ano faturou quatro títulos em quatro torneios Cosat 16 anos, sendo o último a Brasil Junior Cup.

Atualmente número 248 do ranking juvenil, Almeida tem o ranking 235 como o seu melhor até aqui. Seus melhores resultados foram no saibro, tendo conquistado 33 vitórias em 40 partidas disputadas nesta temporada. Perdeu a final para o companheiro de Davis e Sul-Americano Pedro Rodrigues na final do J3 Salvador, mas foi campeão dos J4 de Itajaí, Tarija, na Bolívia, e Eindhoven, na Holanda. Ainda nos Países Baixos, fez final no J4 de Hillegom, mas ficou com o vice após ser derrotado pelo alemão Marc Majdandzic.

Gustavo nasceu em Guarapuava, cidade do interior paranaense de pouco mais de 180 mil habitantes. De infância pobre, seu primeiro contato com o esporte se deu aos quatro anos de idade, por influência de seu pai, que trabalhava no Clube Guaíra, que abriga, há mais de duas décadas, o Projeto Tô no Tênis.

“Meu pai arrumava as quadras do Guaíra. Minha mãe saía cedo para trabalhar, e não tinha com quem deixar a gente. Eu e meus irmãos íamos para o clube para ficar brincando, bater uma bola no paredão. Gostamos muito e nunca mais largamos. Com quatro anos, o professor Agnaldo me chamou para fazer parte do projeto social Tô no Tênis”, lembrou Gustavo.

“Em 2015 comecei a jogar uns torneios estaduais pelo Paraná. A gente não tinha dinheiro, e onde desse pra jogar eu jogava. Foi quando eu fui jogar um torneio em Curitiba, em 2019, e fiz uma final contra um atleta do Instituto Ícaro. O Duda [Marcolin] e o Alexandre Bonatto gostaram de mim e me convidaram para fazer parte da equipe deles”, acrescentou Almeida, contando que desde então treina na Academia DM Tênis, no bairro São Braz na capital paranaense, e à noite frequenta aulas do Ensino Médio.

“Quando conquistamos premiações, uma parte do dinheiro volta para o Ícaro, para que outras crianças possam ter as mesmas oportunidades que estou tendo hoje. São quase mil crianças envolvidas no projeto. É importante vencer os jogos porque sei que quanto mais vitórias eu tiver mais visibilidade o Instituto vai ter, e assim mais apoiadores poderão ajudar o projeto. São crianças com os mesmos objetivos que o meu”, disse Gustavo, que também afirmou querer continuar no Ícaro até fazer a transição para o profissional.

E assim, manter vivo o sonho de se tornar um tenista de sucesso.


Foto: Luiz Candido/CBT


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