Tóquio 2020: Fino trato - parte 1

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Por Raphael Favilla  •  23 de Julho de 2021

A bolinha amarela mais amada do mundo conta os minutos para começar a pular de um lado para o outro das redes nas quadras do elegante e moderno complexo esportivo Ariake Tennis Park, que receberá a competição de Tênis nos Jogos Olímpicos de Tóquio a partir deste sábado.


E o Portal Nittenis, que há 22 anos iniciava sua trajetória, ainda como revista impressa, noticiando o mundo do tênis e demais esportes disputados com raquetes, não poderia ficar de fora de mais uma cobertura olímpica.


história dos Jogos Olímpicos e o tênis


Logo o tênis, que tem uma história singular com os Jogos.


O esporte fez sua estreia já na primeira edição dos Jogos Olímpicos em 1896, em Atenas. Mas depois, por muito tempo deixou os amantes da modalidade com saudades.


É que nos Jogos de Amsterdã 1928 a modalidade deixou de fazer parte do programa olímpico e só retornou em 1984, como um evento promocional. O sucesso do evento foi tão grande que o Comitê Olímpico Internacional decidiu reintroduzir o tênis como um esporte olímpico na edição de 1988, em Seul. E por ironia do destino, foi justamente nessa edição que uma alemãzinha abalou as estruturas do esporte.


Com apenas 19 anos, Steffi Graf já era a número um do mundo quando atingiu um feito até hoje inédito na história do tênis. Graf chegou aos jogos sul-coreanos como campeã dos quatro mais importantes torneios daquele ano: Aberto da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e US Open. O que faltava para o ano perfeito da jovem alemã? A medalha de ouro olímpica.


Com uma série de 35 vitórias – cinco meses – sem perder uma partida sequer, Graf chegou como favorita e cravou seu nome na história do esporte. Na final, ela venceu a argentina Gabriela Sabatini por um duplo 6/3 e completou o ciclo de títulos no mesmo ano. Quatro anos antes, quando era uma adolescente de 15 anos, a alemã — então a mais nova do torneio — já tinha vencido a disputa olímpica do tênis, que nesta época era esporte de demonstração, como vimos anteriormente.


Mas afinal, o que esperar dos Jogos Olímpicos de Tóquio?


Não é a primeira vez que a capital japonesa tem que lidar com imprevistos quanto à realização da Olimpíada. A edição que deveria ter sido realizada no país em 1940 foi transferida para Helsinque, na Finlândia, por conta de guerra e instabilidade política.


Oitenta anos depois, a pandemia de Covid-19 trouxe um novo clima de insegurança e medo, com a doença tomando conta do mundo e ameaçando a realização da competição. Após muita pressão,   logo após a declaração da Organização Mundial da Saúde elevando o estado de contaminação pelo novo coronavírus como pandemia, o COI anunciou o adiamento da 32ª edição do evento para 2021.


Depois de quase dois anos, a Covid-19 continua a matar milhares de pessoas por dia. As vacinas são escassas, principalmente nos países mais pobres. E a maioria dos japoneses é contra os Jogos.


Muitos consideraram um acinte a realização das Olimpíadas. Outros defenderam que era hora do “show continuar”. Para outro personagem em específico, os Jogos de Tóquio podem representar a consumação de um grande feito pessoal.


Aos 34 anos, o atual número 1 do tênis masculino chega ao Japão de olho na glória eterna. O sérvio Novak Djokovic venceu os três primeiros Grand Slam da temporada, erguendo as taças do Aberto da Austrália, de Roland Garros e de Wimbledon, e agora sonha em repetir o feito da alemã Steffi Graf. Para isso, precisa ganhar o ouro na capital japonesa e depois tentar ser campeão do US Open, em Nova York.


- Eu sinto a energia da torcida, seja positiva ou negativa. Podem me apoiar ou não, mas essa é uma das maiores razões pelas quais sigo jogando tênis competitivamente depois de tantos anos. Foi um dos maiores questionamentos que tive, antes de vir para Tóquio, ao saber que não haveria público. Não ter o elemento-chave de qualquer esporte, que são os fãs, vai deixar tudo diferente. Mas ainda são os Jogos Olímpicos. Vivi um dilema por um tempo, mas no fim decidi vir. E estou feliz, porque para mim há muitas mais coisas bonitas sobre as Olimpíadas e estou tentando focar nisso – comentou o sérvio em entrevista coletiva realizada esta semana.


Subir no degrau mais alto do pódio também é a oportunidade de igualar os “rivais” Rafael Nadal e Andy Murray. O espanhol e o britânico foram ouro nas simples em Pequim 2008 e Londres 2012 / Rio 2016, respectivamente. O sérvio ficou com o bronze na edição chinesa.


Entrevista especial

Fernando Meligeni - Tóquio 2020/21


Para falar sobre a disputa do tênis em Tóquio, ninguém melhor que o, antes de mais nada, bom de papo Fernando Meligeni, que dispensa apresentações.


Para os mais jovens, cuja apresentação é necessária, é com gosto que relembramos.


Quando desembarcou em Atlanta para a disputa dos Jogos Olímpicos de 1996, a delegação brasileira vivia a expectativa de conquistar bons resultados em esportes como natação, judô, futebol, mas não no tênis. Dia após dia, um jovem argentino naturalizado brasileiro foi surpreendendo a todos e transformou a chance de uma medalha inédita para o país em realidade.


Melhor tenista da história do país em Jogos Olímpicos, Fernando Meligeni passou muito perto de subir ao pódio em 1996, mas bateu na trave e ficou com o quarto lugar. O Fininho chegou aos Jogos de Atlanta com 25 anos de idade, ocupando a posição de número 62 no ranking da ATP. A pouca experiência em momentos decisivos de grandes competições pesou na reta final da disputa e tirou de Meligeni uma conquista histórica.


Fininho topou falar com a Nittenis mais uma vez. “Fazer Tênis no Brasil não é fácil. Então tudo que a gente possa estar presente ou contribuir de alguma maneira com o esporte é sempre um grande prazer”, falou o ex-tenista (e apaixonado pela modalidade) em bate-papo descontraído por videoconferência com o editor Diego Werneck.


Como de costume, a conversa rendeu. E decidimos dividir a entrevista em duas partes. A primeira você acompanha abaixo. A segunda parte publicaremos em alguns dias, fique ligado! ;)


O que você espera dos Jogos de Tóquio?


- Serão os Jogos mais estranhos de todos que a gente já viveu. Eles acontecem em um momento muito complicado. Existe essa dúvida, se deveriam mesmo acontecer. Eu sei dos motivos comerciais. Muito dinheiro envolvido. A gente sabe que tem o lado atlético, mas também o lado comercial, que é muito grande e que precisa ser olhado. O atleta não pode olhar só pra si e falar “acho que não é hora de fazer”. E o lado comercial tem que olhar o lado do atleta. Muito difícil conseguir fazer uma análise dos Jogos de Tóquio, tem muita coisa negativa. O lado do público, o medo da pandemia, um país que vacinou muito pouco, muita aglomeração de atletas, possibilidade de novos casos de Covid no meio do caminho… Mas são os Jogos Olímpicos, né? O que mais me preocupa é como os atletas vão chegar nas competições. E não falo do tênis, porque o circuito voltou faz tempo. A gente sabe que Olimpíada é o ápice do atleta da esgrima, do remo, do slalom… Você vê que a preparação deles não foi como deveria ter sido. Não tiveram todos os campeonatos testes, que são muito importantes. Só com o início das provas no atletismo, na natação, que a gente vai ter a dimensão. Se serão Jogos bem abaixo, bem aquém. Ou se os atletas vão conseguir se superar e fazer a coisa acontecer. Superar limites, baixar tempos…


E no tênis?


- É uma pena que, no masculino, 23 dos top 50 decidiram não ir. No feminino, 11 ou 12 não competirão. Algumas não vão porque são a quarta ou quinta jogadora do país. Tem muita gente importante que não foi. Federer e Nadal machucados. Alguns outros realmente decidiram não ir. A gente sabe que nas Olimpíadas sempre terá uma parte do tenista que não olha para os Jogos como olha para o circuito. Isso vai muito de cada jogador. E acho que deve ser respeitado. Tem gente que é mais “patriota”. Tem gente que foi mais ajudado. Tem gente que o país não olhou para ele a vida inteira, e aí chega na Olimpíada você é obrigado a jogar? Optar por jogar ou não jogar uma Olimpíada não deve ser tachado de mais ou menos patriota. Os jogos também foram colocados ali no meio de uma temporada já irregular. No meio da temporada de grama, no meio da de saibro. O Tsitsipas, por exemplo, até ontem estava jogando no saibro. Agora vai jogar na rápida. Isso acontece? Sim. Mas não é a melhor preparação para uma Olimpíada. Tem muito jogador que ficou sabendo em cima da hora que jogaria. É o caso da Luisa Stefani, que não estava com a cabeça nos Jogos. Mas são as Olimpíadas, né? É o ápice do ápice. Onde todo mundo ganha mais vontade. Principalmente atletas de países emergentes, de menos força esportiva. Então acho que uma galera vai tentar dar uma de [Nícolas] Massú [chileno ouro em simples e duplas em Atenas 2004]. Ou mesmo o meu caso. Quando ninguém esperava, estava eu ali disputando uma medalha…


Como foi disputar uma Olimpíada?


- Pra mim foi uma experiência única. Sempre falo que todo atleta deveria ir para uma Olimpíada. Não só pelo prazer. Mas se você se acha a última bolacha do pacote no seu dia a dia, na hora em que você chega nos Jogos, desculpe a expressão, você se sente um merda, porque todo mundo é melhor do que você. Todo mundo é foda, todo mundo é incrível. No meu caso, eu olhava para um lado e via o Dream Team do basquete norte-americano. Olhava para o outro lado estava o [Serguei] Bubka [ex-atleta ucraniano, considerado por muitos o maior saltador com vara de todos os tempos]. Ou o Zé Roberto Guimarães com o Bernardinho, reunidos com todos os nossos grandes atletas. A Olimpíada te dá um senso de noção absurdo. Eu lembro de conversar bastante com o Xuxa [Fernando Scherer] e o Alexandre Borges, andamos muito juntos em 96. A pressão que o Xuxa tinha para ganhar una medalha – e ele ganhou o bronze – era absurda. Nunca vi um atleta ter que lidar com uma pressão dessas. Porque está em jogo quatro anos de trabalho naquilo. Por isso que eu falo que o tenista ainda não tem o mesmo sentimento da Olimpíada. E não é culpa dele, porque toda semana você tem um Masters 500, um Masters 1000 para competir. Muita grana, muitos pontos, muita importância. Toda hora jogando com os principais atletas do mundo. Já Olimpíada é aquela Olimpíada. Quatro anos resumidos em um único evento. Então, foi isso o que eu aprendi em 96. Sempre soube que o tênis era a minha vida. Mas na hora em que você conversa com outros atletas, um Robert Scheidt, que sabe que aquela medalha significa o pagamento no final do mês dele, que só assim que ele vai conseguir patrocínio para mais um ciclo olímpico, aí você fala “opa, esporte é diferente, Olimpíada é diferente”. Quantas vezes não vemos um tenista perder na primeira rodada ou abandonar um jogo no primeiro set porque sabe que na próxima semana tem outro torneio? Olimpíada não tem outra não. São poucos que conseguem disputar mais de uma. Eu disputei uma só. Fiquei a uma só vaga no ranking para conseguir ter disputado a segunda. Eu dei minha vida naquela edição, porque consegui viver, perceber nos primeiros dias na vila olímpica que aquele era um momento único e especial.


Alguns atletas decidiram não participar, como é o caso do Thiago Wild...


- Eu conversei com a galera dele. Eu entendo totalmente a decisão, falei isso com o João [Zwetsch]. É uma decisão física, de cuidado com ele. É uma decisão por conta também da proximidade com o top 100 [Thiago Wild é atualmente o número 118 no ranking da ATP]. Ele tem a oportunidade de jogar alguns campeonatos e se aproximar cada vez mais. Não vou julgar, até porque cada um de nós poderia tomar também essa decisão. Mas hoje, com 50 anos, e tendo estado em uma Olimpíada, eu não deixaria de forma alguma essa oportunidade passar. Por causa da experiência única de que falei. Existe um ponto aí, e muita gente que está tomando essa decisão tem um pouco de razão também. É que esta edição será diferente, a convivência vai ser muito ruim. Não vai ter aquela bagunça, aquela troca, de conversa, de convívio. O que eu lembro de Olimpíada? A gente sentado no hall dos dormitórios. A gente comendo, o refeitório parecia um Maracanã com mesas. E um monte de ilhas, grupos com atletas de diferentes países. Tinha lá os italianos, fazendo a massa deles. Os americanos, comendo Mc Donalds. Tinha uma ilha lá com comida oriental. Você parava, avistava uma mesa, cinco mil atletas, e você decidia onde sentar. Não tinha área demarcada, não tinha a área do Brasil, nem de nenhum outro país. Você podia sentar do lado do Agassi. Podia sentar com a turma do basquete italiano. Ou seja, essa convivência era maravilhosa. Essa experiência é impagável. Então perder isso é muito ruim. Então é entendível, não é criticável. Foi uma decisão dele, dá pra entender. O mundo também está entendendo que não é hora de julgar ninguém, não é hora de botar o dedo na ferida de ninguém. Por dois motivos. Aí falo por mim, não tem nada a ver com Wild. Uma coisa minha, tenística, esportiva. Primeiro, estão fazendo muito pouco pelos atletas há muito tempo. Tirando os Jogos do Rio, estão se lixando pros atletas. Então você não pode pedir patriotismo se você não dá nada em troca. E o outro é o lado da pandemia. Tem gente que tem medo. Eu passei quase um ano e meio dentro de casa. Cada pessoa tem uma maneira de lidar. Você vai julgar que um menino de 20 anos não quer ir?


E tem a questão do patriotismo, que você comentou...


O problema de algum atleta dizer não para uma convocação de Copa Davis, para uma convocação de Olimpíada, principalmente em nosso país, é a associação ao antipatriotismo. Eu acho isso uma grande bobeira. O cara quando deixa de pagar imposto ele não é antipatriota, ele é malandro. Agora quando não quer jogar uma Olimpíada, uma Copa Davis, porque ele quer se preservar, porque ele não está bem fisicamente, ele não é patriota. Quando eu e Guga jogávamos, quando éramos o número um e dois do Brasil, a gente sabia que as nossas atitudes estavam sendo olhadas por muitos moleques. Só que o Wild, o Orlandinho [Luz], o Felipe [Meligeni Alves], essa molecada, a gente não pode colocar esse fardo nas costas deles.


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