As surpresas e rotinas de Wimbledon

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Por Diego Werneck  •  16 de Julho de 2021

Após mais um título de Novak Djokovic, o segundo Slam conquistado pelo sérvio em dois meses e o 20º major da sua vitoriosa carreira, pensei cá com meus botões: poxa, Djoko, vou ter que falar de novo da sua genialidade e dos recordes que você não para de bater, cara? Pois é, levantar taças se tornou uma doce rotina para o número um do mundo, que segue agora rumo a Tóquio em busca do único título ainda em branco no seu quase incontável scout: o ouro olímpico.


Mas nem só de rotinas como o sexto caneco do Slam britânico para Novak viveu o tradicional torneio londrino esse ano. Pelo contrário. Algumas ótimas surpresas e novidades chamaram a atenção no All England Club, a começar pela presença de público no complexo, inclusive com casa cheia tanto na abertura quanto nas finais disputadas no último fim de semana. E os espectadores londrinos, como sempre, deram um show de elegância e vibração no retorno às arenas para assistir aos melhores tenistas do mundo duelarem.




A diferença, nesse ponto, foi a percepção de que havia uma mistura de estranhamento com extrema excitação dos torcedores, provavelmente em função do longo tempo em que as pessoas não puderam assistir a jogos in loco por conta da pandemia, inclusive culminando com a não realização do torneio em 2020, em plena primeira onda de Covid-19 Europa afora.


Vale aqui uma menção especial à cerimônia de abertura, na qual houve homenagem a protagonistas no combate ao novo coronavírus presentes ao evento, com destaque para uma das criadoras da vacina Oxford AstraZeneca, Dama Sarah Gilbert, além de servidores do sistema de saúde pública britânico, o NHS. Devida e justamente ovacionados por vários minutos pelo público que lotou a quadra central. Emocionante momento já de partida em Londres!


Em quadra, apesar dos principais cabeças de chave terem avançado em sua maioria pelo menos até as oitavas de final, surpreendeu a queda de Roger Federer nas quartas para o jovem polonês Hubert Hurkacz, que já havia eliminado o cabeça de chave número dois, o russo Daniel Medvedev, na rodada anterior. Embora não venha jogando no seu mais elevado nível após a cirurgia no joelho que o tirou das competições por meses, o suíço costuma crescer na grama de Wimbledon, onde já conquistou incríveis oito títulos, e após chegar entre os oito melhores esperava-se que ele ao menos alcançasse a semi, e quem sabe fizesse a final com Djokovic. Mas aí já veio a primeira grande surpresa do torneio desse ano, que após muitos anos não viu Roger lutar por mais uma final em Londres.


Já na chave feminina, não chegou obviamente a ser uma surpresa a conquista da australiana Ashleigh Barty, atual número um do mundo. Mas isso se olharmos apenas a fotografia, e não o filme. Aliás, que roteiro cinematográfico! Para quem não conhece sua história, Ash chegou a abandonar o tênis alguns anos atrás, ainda muito jovem, em função da forte pressão que o circuito profissional exerceu sobre ela. Ela chegou a se aventurar no críquete, mas acabou se rendendo ao amor pelo tênis e retornou ao circuito. Hoje com 25 anos, Barty venceu, depois da sua volta ao tour da WTA, Roland Garros em 2019 e agora Wimbledon, coroando sua incrível história de superação pessoal. E como joga a australiana!




Algumas outras curiosidades tornaram a edição desse ano do major inglês ainda mais interessante do que normalmente já é. Foi a primeira vez na história, por exemplo, que dois canadenses atingiram as quartas de final de um torneio de Grand Slam: Denis Shapovalov e Felix Auger-Aliassime. Ambos brilharam no torneio com performances de altíssimo nível, superando rivais do naipe de Nick Kirgios e Alexander Zverev e vendendo caro suas eliminações. Shapovalov só caiu na semifinal e justamente para o campeão, em sets diretos mas bem apertados: 7/6(3), 7/5 e 7/5 para Djokovic. Já o jovem Auger-Aliassime foi derrotado uma rodada antes e para o vice-campeão, o italiano Matteo Berrettini, por 3 sets a 1 e apenas uma quebra por set.


Berrettini, aliás, foi outra grata surpresa. Fora do hall de favoritos a ir longe em Wimbledon, onde um italiano jamais havia alcançado uma final na chave de simples, contou com um chaveamento que o favoreceu mas, principalmente, jogou um tênis consistente e eficiente ao longo de todo torneio, inclusive na final, e teve todos os méritos pela histórica campanha, que o coloca agora mais perto do top 5 da ATP e o credencia como mais uma grande força da next gen no circuito. Olho no italiano!




Por fim, não é possível passar batido pela feliz coincidência nas decisões de Wimbledon e da Eurocopa. Por feliz, me refiro à data e ao local, ambos em Londres no mesmo domingo. No mais, tristemente para o futebol, a final do tênis, como de praxe, deu uma lição de elegância e fairplay no esporte mais popular do planeta. Enquanto o English Team perdia em pleno Wembley Stadium o que seria seu inédito título numa fatídica disputa de pênaltis e uma chuva de manifestações racistas de seus torcedores contra os três jogadores negros que perderam suas penalidades era vociferada nas redes sociais, a quadra central do All England Club ovacionava a genialidade de um sérvio e a superação e o talento de uma australiana.


Mas aí vocês podem falar: ah, é diferente, um foi a disputa entre duas seleções com muitos ingredientes de rivalidade histórica, e outra foram decisões que não envolviam esse sentimento nacionalista, com atletas de outros países. Sim, mas vale lembrar que mesmo na derrota do britânico Andy Murray, xodó local e bicampeão em Wimbledon, o público torceu muito sim por ele, mas jamais deixou de respeitar o adversário que o superou, tampouco culpou ou execrou Murray pela derrota. Posturas indiscutivelmente diferentes em ambientes relativamente semelhantes: mesma cidade, arenas esportivas, grandes eventos decisivos.


Ainda assim, vale a ressalva de que o tênis, como uma modalidade que nasceu na elite e permanece sendo praticada majoritariamente pelas camadas mais abastadas das sociedades na maioria dos países, ainda tem um longo caminho para superar essa elitização e buscar maior representatividade e diversidade entre atletas e demais profissionais envolvidos. Em recente e longa reportagem publicada no site da BBC, um dos maiores veículos de comunicação do Reino Unido, o tema foi abordado amplamente, com diversos casos de discriminação racial e histórias de exemplo e superação para que todos - incluindo crianças - venham a ter oportunidades no tênis na Inglaterra, assim como merecem seu lugar ao sol em qualquer outro aspecto da vida e lugar do mundo.


Apesar das boas surpresas em Wimbledon, alguns comportamentos teimam em não mudar. Ou pelo menos parecem demorar muito para avançar. Sinal de que as surpresas e novidades podem ser saudáveis e deveriam acontecer com mais frequência.


Créditos fotos: wimbledon.com / AELTC

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