De Niterói para o mundo

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Por Raphael Favilla  •  23 de Novembro de 2023

Maior plataforma de rede social do mundo focada em negócios e emprego, o Linkedin costuma trazer resumos do histórico profissional de cada usuário.

O de Guilherme Jasmin informa, em inglês, que o brasileiro é um “diretor de tênis com comprovado sucesso e habilidades em liderança e gestão de equipe”. Além de ser um “treinador competitivo, apaixonado por construir relacionamentos profissionais com membros e alunos”.

O que o perfil do Linkedin não conta é como Jasmin construiu sua trajetória até aqui. Mas será um prazer contarmos essa história, dividida em duas partes, sobre o niteroiense, antigo atleta da Universidade da Flórida, e que por seis anos foi também treinador universitário nos Estados Unidos.

Jasmin trabalhou em universidades prestigiadas como a Clemson University, a Middle Tennessee State University, a West Florida University e a Armstrong State University. Como coaching, venceu o Campeonato Nacional Feminino da Divisão II da NCAA, em 2015, com uma temporada invicta. E hoje dirige a Montverde Academy, academia de tênis de alto desempenho, campeã em 2019 do Nacional de Tênis Masculino.

"Guilherme se mudou para os Estados Unidos aos 18 anos, quando conseguiu bolsa para estudar e treinar em universidades americanas, mudando de instituição algumas vezes. Quando se formou, optou por continuar os estudos e manter a bolsa como técnico assistente. Trabalhou em Armstrong e West Florida, dirigindo programas de pré-temporada. Ele acreditou no trabalho, mesmo com o estigma de que jogadores que buscavam essa rota não tinham conseguido sucesso profissional. Depois de anos vitoriosos como técnico universitário, foi trabalhar com Jaime Oncins na Flórida, onde hoje é seu braço direito na Montverde Academy", conta Domingos Venancio, ex-tenista profissional, técnico e capacitador da Confederação Brasileira de Tênis.

Venancio foi treinador de Jasmin por muitos anos. À Nittenis, Domingos falou com orgulho desta amizade. "A experiência do Guilherme em transicionar jogadores juvenis para o universitário é incomparável nos Estados Unidos e praticamente inexistente no Brasil. Nossa relação é uma mistura de amizade e parentesco, meio pai, meio irmão, meio filho, meio irmão mais novo".

Incertezas e dúvidas

A realidade da grande maioria dos tenistas profissionais é repleta de incertezas e instabilidade financeira, e nada se aproxima do glamour vivido pelos atletas que disputam os grandes torneios do circuito mundial.

Uma recente reportagem da ESPN trouxe à tona as dificuldades do tenista Kiranpal Pannu, que em 2022 fechou o ano com enorme déficit: o neozelandês, que costuma habitar a faixa do ranking entre os 500 e 700 melhores do mundo, ganhou na última temporada U$6.771 (R$33 mil reais na cotação atual) em premiações. Mas, seus custos, principalmente de viagem, acumularam U$34.500 (R$167 mil reais aproximadamente).

Para incrementar a renda, Pannu recorreu ao que muitos atletas que frequentam os mesmos torneios que ele costumam fazer. KP encontrou outros formas de fazer dinheiro, principalmente dando aulas de tênis. Já para economizar, dividia algumas acomodações com outros jogadores enquanto competia sem plano de saúde.

Tornar-se profissional, ganhar dinheiro, ser reconhecido e viver uma vida toda ligada do tênis. Este é o sonho de Pannu e de muitos que estão dando seus primeiros passos nas quadras. Quando adolescentes, os que ainda continuam levando o esporte a sério adotam esse discurso de tentar a vida no tênis. Mas, em um país sem tradição na modalidade, como o Brasil, existe uma fase de suas vidas que é considerada fundamental neste processo. Quando o jovem chega aos 17, 18 anos, é preciso tomar algumas decisões que vão além das responsabilidades da época da infância. Vale a pena largar os estudos para tentar seguir a carreira de tenista profissional? Ou será que dá para conciliar cursinho, faculdade, e mesmo assim ainda achar tempo para os treinamentos de alto nível?

Com a aproximação da chegada da maioridade, os tenistas juvenis se deparam com uma decisão fundamental que moldará seu destino no esporte. A escolha entre se aventurar no circuito profissional, buscar uma formação universitária no Brasil ou seguir o caminho do tênis universitário americano é um dilema que requer reflexão, e essa decisão não é tão simples como parece. Especialmente nos dias de hoje, em que o tênis universitário não só evoluiu consideravelmente, mas também se tornou um aliado viável do circuito profissional.

O circuito universitário norte-americano

O college tennis foi por muitos anos considerado um destino para tenistas que não conseguiram sucesso profissional. Mas esse estigma não é mais realidade. Hoje, os melhores talentos juvenis do mundo veem o tênis universitário com um olhar mais positivo. Uma alternativa que, cada vez mais, não apenas elimina o conflito na tomada de decisão das famílias, mas frequentemente é a primeira escolha.

Essa transformação tem sido um processo em andamento no cenário do tênis brasileiro. É o caso de Luisa Stefani, tenista paulista que trilhou o caminho do circuito universitário e agora é um dos principais nomes do país no profissional de duplas da WTA, figurando entre as 20 melhores duplicatas do mundo. E também de nomes como Ben Shelton, John Isner, Kevin Anderson, Tennys Sandgren, Danielle Collins, Jennifer Brady e tantos outros que passaram pelo sistema universitário antes de se destacarem no circuito profissional.

“Antigamente diziam que o tênis universitário era um ‘cemitério de tenistas’. Hoje, é importante frisar, que pouco mais de um terço dos jogadores na chave principal do último US Open eram oriundos do circuito universitário. Nas simples, por volta de 20%. Em outras palavras, se houvesse um país chamado NCAA (National Collegiate Athletic Association ou Associação Atlética Universitária Nacional), teria mais representantes do que qualquer outra nação. Isso é considerável, né?”, lembra Domingos.

“Eu insisto porque o passado não pode ser apagado assim tão impunemente, senão as coisas continuam. John McEnroe saiu de uma semifinal de Wimbledon pra Stanford, jogar um ano de circuito universitário. O Bruno Soares, que foi formado por mim e pelo Thomas Koch, numa declaração recente, contou que seu único arrependimento no tênis foi ‘não ter jogado tênis universitário’. São muitos exemplos”, destaca Venancio, relembrando do bate-papo de Soares com Sylvio Bastos, no qual o mineiro conta que teve sucesso profissional, mas que nos primeiros sete anos de carreira muita coisa deu errado, e por pouco não desistiu.

"Uerê", ainda criança, dando seus primeiros passos no Piratininga Tênis, em Niterói

Uerê

Colunista do Portal Nittenis e figura influente do tênis brasileiro, Domingos Venancio ajudou a modalidade a se desenvolver no país. Entre dezenas de alunos, treinou, em parceria com Thomaz Koch, nomes como o multicampeão de Slams Bruno Soares, Joana Cortez, tri medalhista em jogos Pan-Americanos e pioneira do beach tennis no Brasil, Horacio Melo, e mais outros tantos atletas de sucesso.

Guilherme Jasmin foi um destes pupilos. Jasmin talvez não tenha um sobrenome com o alcance nacional e a fama dos nomes já citados, mas sua trajetória no tênis está repleta de boas histórias e conquistas.

Menino no início dos anos 90 em Niterói, Guilherme adorava praticar esportes. Jogava futebol, handebol, fazia natação, lutava judô. Foi no judô, inclusive, que se destacava. Competindo desde os três anos, ganhou muitas medalhas em campeonatos estaduais e regionais.

“Até que um dia, por coincidência, um vizinho estava indo fazer aula de tênis, passou, me viu, e me convidou. Fui e me apaixonei. E assim comecei minha história no Piratininga Tênis”, relembra, contando que depois passou por aulas no Hebraica e na Ângela. “O tênis sempre foi um esporte que eu fazia como uma atividade extra, não era algo que eu pensava em levar a sério”.

Entretanto, o destino reserva surpresas. O pai de uma colega de quadra na academia da Ângela, dois anos mais velha e já com bom nível, notando seu talento, propôs a formação de uma equipe de jovens jogadores. Um convite que desencadeou uma série de torneios locais e estaduais.

Domingos Venâncio ao lado de Uerê, de pé à esquerda

Terceiro em pé da esquerda para direita, Jasmim posa com Domingos Venancio e colegas em uma clínica em Cabo Frio nos anos 90

“Ele queria montar uma equipe, um grupo de jogadores para se desenvolverem juntos e até motivar a própria filha. Então, eu comecei a jogar torneios também. Comecei a jogar torneios em Niterói e estaduais. Isso foi um pouco antes da explosão do tênis no Rio de Janeiro, que aconteceu ali por volta de 1997, com a ascensão do Guga. Foi nessa época que comecei a levar o tênis mais a sério, participando de competições e fazendo clínicas. Uma delas com o Domingos [Venancio]”, conta, relembrando do primeiro contato com o treinador, que viria a acompanhá-lo por longos anos.

“Havia muitas crianças e eu era o mais novo. Foi aí que surgiu o apelido ‘Uerê’. Na novela ‘O Rei do Gado’ havia um personagem indígena. Alguém olhou para mim e disse: ‘Parece o Uerê’. Então, virei o ‘Uerê’ no primeiro dia da clínica, e esse apelido me acompanha até hoje”.

Na adolescência, Uerê passa a jogar em um calendário mais completo de torneios, participando de algumas etapas do Brasileiro, e diversas competições pelo Rio, por Niterói, Petrópolis, Teresópolis, Friburgo.

“Muitos garotos desistiram no meio do caminho. Alguns deles jogavam melhor do que eu. Em Niterói fui um dos melhores da minha categoria, mas no Rio estava um pouco mais atrás. Quando olho pro passado, acho que o Domingos fez um excelente trabalho. Ele nunca focou em me fazer campeão em uma categoria de doze, quatorze ou dezesseis anos. Ele sempre se concentrou em me preparar para obter bons resultados quando eu tivesse dezoito anos. Se preocupou muito mais em desenvolver minha técnica, preparar-me mentalmente no jogo para que eu jogasse bem no futuro, e em quadras duras”.

“Domingos olhava para mim e dizia: ‘Você será alto, terá mais de um metro e oitenta de altura, então não adianta ficar aqui empurrando a bola para vencer torneios com doze ou quatorze anos’. Ele queria que eu desenvolvesse meu jogo, jogasse mais agressivamente, tivesse um bom saque, jogasse mais na rede e tivesse essas habilidades. Não era apenas sobre ganhar naquele momento, era sobre ter uma visão de como meu tênis estaria daqui a cinco, seis ou sete anos”, continuou a relembrar Jasmin.

“Ele sempre me dizia que, se eu não me destacasse quando tivesse dezoito para dezenove anos, a opção seria fazer o circuito universitário. Então, com catorze para quinze anos, eu já tinha isso em mente como uma opção e queria levar isso a sério.


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