Encontrando o sucesso no tênis universitário dos Estados Unidos

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Por Raphael Favilla  •  04 de Dezembro de 2023

Depois de acompanhar os primeiros passos na trajetória do treinador e diretor de tênis Guilherme "Uerê" Jasmin, é a vez de saber um pouco mais sobre a mudança do niteroiense para os Estados Unidos, e todos os caminhos trilhados por Jasmin no estrangeiro que o levaram a ser, nas palavras de Domingos Venancio, "um dos melhores treinadores em tênis universitário no momento". Confira!

Circuito universitário: um sonho

O ano era 1998, e o tênis no Brasil vivia um grande momento. No ano anterior, um garoto magricelo de Santa Catarina e cabelo encaracolado esvoaçante havia colocado o país novamente no mapa do tênis mundial ao conquistar Roland Garros. A explosão Guga Kuerten fez do tênis o esporte do momento, claro, depois do futebol, em terras brasileiras. E milhares de famílias buscaram clínicas e escolinhas para matricularem seus filhos na ‘nova modalidade’.

A garotada queria repetir os feitos de Guga. Brilhar na Philippe-Chatrier. Conquistar títulos no circuito profissional. Naquela época, Guilherme “Uerê” Jasmin já sabia que também queria viver do tênis, mas seus sonhos eram, digamos, mais ‘pés no chão’.

“Aos treze anos, após conhecer o histórico do tênis nos Estados Unidos, Uerê já tinha decidido que seria jogador de tênis universitário. Começamos a falar sobre o circuito universitário, e ele expressou, desde cedo, o desejo de jogá-lo. Expliquei que ele deveria aprender a jogar em quadras rápidas e ser habilidoso em duplas para garantir bolsas. Ele aceitou o desafio e, com o tempo, mostrou-se disposto a pagar o preço”, relembrou Domingos Venancio.

“Domingos sempre me dizia que, se eu não me destacasse quando tivesse dezoito para dezenove anos, a opção seria fazer o circuito universitário”, contou Jasmin. “Então, na adolescência, eu já tinha isso em mente como uma opção e queria levar isso a sério. Não dediquei muito tempo ao inglês, apesar de fazer aulas na escola e cursos. Eu poderia ter estudado mais. Agora, quando olho para trás, lamento não ter me dedicado mais ao inglês, principalmente porque estava jogando torneios e obtendo resultados satisfatórios. Tinha bons desempenhos contra os jogadores do Rio e do Brasil, não necessariamente vencendo todos os torneios, mas quando completei dezoito anos, senti que estava tecnicamente preparado para cursar uma faculdade”.

Perto de completar a maioridade, Jasmin treinava no Niterói Racket Center com Domingos, que conduzia os garotos nos treinos, além de aconselhá-los neste período crucial da vida, de importantes tomadas de decisão.

“Foi uma fase de muitas mudanças, e esse grupo meio que se dissipou. Alguns pararam, alguns começaram a fazer vestibular e deixaram de jogar tênis. Alguns foram para outros lugares. Mas teve uma pessoa que me influenciou muito nessa época, que foi o Aporé [de Paula]. O Aporé começou tarde no tênis, com dezesseis anos, mas ele era muito competitivo. Ele compensava isso sendo magro, ágil, corria bastante, e colocava a bola na quadra. Ele conseguiu superar algumas deficiências técnicas por ter começado tarde com sua competitividade. Lembro que, algumas vezes, quando eu já tinha dezesseis anos e estava mais formado, eu chegava no treino e perdia para o Aporé. Isso me deixava muito frustrado e começou a despertar em mim um espírito mais competitivo. Eu não queria mais aceitar perder, e isso foi algo que me ajudou muito. O Aporé se tornou um grande amigo e parceiro de treino. Ele também continuou com Domingos até o final, e até hoje somos muito próximos”, conta Uerê.

“Domingos teve uma influência positiva em nós, ajudando a manter nossa cabeça focada e olhando para um objetivo no futuro, não apenas para os torneios do momento. Ele inspirou muitas pessoas naquela adolescência, quando há tantas distrações, a se manterem focadas e a abrir mão de muitas coisas em busca de objetivos maiores. O Aporé veio junto nessa jornada. Acabamos treinando praticamente todos os dias, ajudando um ao outro. Jogávamos duplas, treinávamos juntos e começamos a viajar para torneios. Eu tentei de todas as formas trazê-lo para o circuito universitário, mas ele acabou ficando no Brasil e hoje dá aulas de tênis. Tivemos uma química especial, e nos ajudamos mutuamente”, completou Jasmin.

No entanto, era chegada a hora de arrumar as malas e partir...

O Junior College

Quando chegou a hora de partir para os Estados Unidos, Uerê não falava muito bem inglês, algo do qual se arrepende até hoje.

“Acabei fechando algumas portas no circuito universitário por causa disso. Precisei afunilar minha busca e optar por faculdades que ofereciam apenas dois anos de curso, o chamado ‘Junior College’, em vez de ir para uma faculdade que oferecesse o curso completo de quatro anos. Isso porque essas faculdades tinham requisitos de notas mais flexíveis, o que me permitiu entrar sem a necessidade de fazer o teste de proficiência em inglês (TOEFL). Realizei o TOEFL duas vezes e não fui bem, e isso me fez optar pelo Junior College”, lembra Uerê sobre o circuito que muitos consideram ‘o cemitério de tenistas’. Mas não para Domingos Venancio...

“Junior College não tem nada de ruim. É uma universidade que só tem os dois primeiros anos. Então você vai estudar o primeiro ano, Freshman, estuda o segundo ano, Sophomore, e aí você tem que transferir. Desvantagem: você tem que transferir. Portanto, ninguém se compromete por muito tempo. Então os times não são assim tão fortes. Porém, pra muitos jogadores estrangeiros, é a melhor solução. Você chega, estuda um ou dois anos, e pode transferir sem ter que ficar fora um semestre ou um ano. Então muitos optam. O sueco Mikael Pernfors, jogou comigo em Junior College. Dali saiu pra Georgia e, no ano seguinte, foi vice-campeão em simples de Roland Garros. Brad Gilbert, também jogou comigo no Junior College. Foi top 20 do mundo por dez anos. E nas duplas, eu não vou nem começar a enumerar. Sete das dez maiores duplas de todos os tempos saiu do tênis universitário”, opina Venâncio.

Como foi sua ida para os Estados Unidos?

UERÊ - Na época, o YouTube ainda não existia. Estamos falando de 2003. Então, o que fiz foi pegar uma câmera digital e fazer um vídeo. Gravei em um DVD, imprimi dez cópias e enviei pelo correio para os Estados Unidos. Recebi alguns e-mails de volta e mantive o contato. Por não falar inglês, Domingos me ajudava na comunicação. Ele me ajudou a criar meu primeiro e-mail para me comunicar com treinadores. Quando o treinador me enviava mensagens, eu as imprimia e levava para o treino. Domingos as traduzia para mim, anotava as respostas ao lado e eu escrevia as mensagens de volta. Era uma comunicação diária de um e-mail para lá e um e-mail para cá. Cheguei a ter três opções. Entre a segunda melhor Junior College e a quarta com melhores resultados acabei escolhendo ir para a número quatro do país, que já me aceitava sem a necessidade de notas de inglês ou cursos extras.

Com dezoito anos, deixei Niterói e o Rio de Janeiro para ir para o interior dos Estados Unidos, no estado do Kansas. Era uma faculdade no meio do nada, praticamente em uma fazenda. Morei em um dormitório e fiquei isolado. A comunicação era limitada, pois na época não era tão comum ter celulares, e eu tinha apenas um messenger para me comunicar com meus pais e amigos no Brasil. Fazia um telefonema a cada duas semanas, e essa era minha principal forma de comunicação. Tive dificuldades de adaptação, principalmente devido ao frio, ao isolamento e à língua.

E a adaptação em quadra?

UERÊ —  Em termos de tênis, senti que estava bem adaptado. Domingos sempre preparou meu jogo para um estilo mais agressivo, jogando dentro da quadra. Isso facilitou minha transição para quadras de cimento, e consegui obter bons resultados durante meus dois anos lá. Depois, em 2006, me transferi para a West Florida, uma faculdade em uma cidade mais agradável, com um clima melhor, e joguei por um time muito bom. Eles haviam sido campeões em 2004 e 2005 da Divisão II. Alguns jogadores do meu time até seguiram para o circuito profissional, e outros se tornaram treinadores. A maioria das pessoas com quem convivi na faculdade tinha uma sólida base no tênis, e muitas continuaram envolvidas no esporte de alguma forma.

Como foi a transição de jogador para treinador?

UERÊ — Na Flórida tive uma lesão que me deixou um bom período longe das quadras. Após me recuperar, retomei a competição, mas não estava jogando no mesmo nível que antes da lesão, o que me desanimou. Após me formar em 2008, a crise econômica global me fez repensar meus planos.

Recebi uma oferta para ser assistente do time de tênis feminino na faculdade na qual joguei. Além disso, me ofereceram uma bolsa para fazer o mestrado. Com a crise econômica de 2008, a perspectiva de emprego nos Estados Unidos estava incerta, e eu não queria voltar para o Brasil naquele momento. Então, aceitei a oferta e comecei a trabalhar como treinador da equipe feminina.

Meu gosto pela função cresceu, e fiquei três anos como treinador da faculdade. Após isso, fui para uma faculdade maior que estava entre as top dez na Divisão I. Depois, dei outros passos na carreira, trabalhando em diversas faculdades e aproveitando as oportunidades que surgiram.


Como conheceu Jaime Oncins?

UERÊ  Após um período no Brasil, voltei aos Estados Unidos para trabalhar em uma faculdade na Georgia. Enquanto estava lá, recebi uma proposta para fazer parte de um projeto que envolvia trazer Jaime Oncins para montar uma academia e ser uma referência nos Estados Unidos. Ele foi meu ídolo no tênis antes do Guga, então aceitei ser seu braço direito no projeto. A única condição foi que eu esperaria até o final da temporada na faculdade antes de me juntar à equipe de Jaime em Orlando. Assim, em agosto de 2015, cheguei a Orlando, um semestre depois de Jaime, para abraçar esse novo projeto.

Como é seu dia a dia na Montverde Academy?

UERÊ  O programa na Montverde começou com Jaime Oncins, com três crianças no início, incluindo seus dois filhos. Depois, uma menina apareceu com uma raquete e disse que também queria jogar tênis. No semestre seguinte, quando cheguei, já tínhamos um time com dez jogadores e continuamos crescendo. Ano após ano, aumentamos o número de jogadores e melhoramos o nível.

No primeiro ano, fomos vice-campeões estaduais no high school. Nos anos seguintes, conquistamos campeonatos nacionais e estaduais. No quarto ano, decidimos abrir mão do campeonato estadual para ter mais flexibilidade e recrutar novos talentos. Nossa abordagem passou a funcionar mais como uma academia dentro da escola, proporcionando uma experiência acadêmica de alta qualidade. Em 2019, vencemos o campeonato nacional no Tennessee e continuamos obtendo resultados positivos.

Nosso principal foco é fornecer aos jovens a oportunidade de ingressar no circuito universitário com bolsas de estudo. A Monte Verde Academy oferece todas as ferramentas para que os alunos joguem tênis em alto nível e mantenham um bom desempenho acadêmico. Tudo isso acontece em um espaço de apenas uma milha e meia, onde os alunos podem fazer suas aulas, treinar, receber fisioterapia e morar em dormitórios.

No entanto, durante a pandemia, o número de alunos diminuiu devido ao ensino online. A escola passou de trinta alunos para apenas nove ou dez. Apesar disso, estamos recuperando o ritmo, competindo em campeonatos nacionais e continuando a enviar nossos jogadores para faculdades de divisão um, dois ou três, dependendo de seu nível de jogo e desempenho acadêmico.

Além disso, estou com Jaime Oncins há oito anos e meio. Durante o recesso escolar, quando os alunos são liberados, aproveito para trabalhar em Nova Iorque. Por dois anos, trabalhei em um clube de tênis, depois mudei para outro que faz parte da franquia da academia de John McEnroe. Atualmente, sou o diretor de todo o clube e supervisiono a academia daquela localização. Trabalho lado a lado com Patrick McEnroe e mantenho contato com John McEnroe, embora minha interação com ele seja menos frequente. Durante o verão, quando os alunos estão de férias, trabalho na academia de tênis.


Como é trabalhar com o Oncins?

UERÊ - Desde pequeno, sempre sonhei em jogar tênis, tanto profissionalmente quanto universitariamente. Essa paixão e ambição pelo tênis me acompanham desde os meus 14 ou 15 anos. No entanto, nunca imaginei que acabaria trabalhando com uma lenda do tênis como Jaime Oncins ou que teria a oportunidade de dividir a quadra com ele, o que é incrível para mim.

Falando sobre a minha carreira, nunca achei que estaria nesse caminho. A verdade é que meu treinador, Domingos, tinha Ivan Lendl como seu ídolo, e agora tenho a honra de trabalhar com Jaime Oncins, que era o ídolo do Domingos. O Domingos foi quem me guiou nesse percurso.

Hoje, além de treinar, também lido com o marketing. Isso é algo que nunca imaginei que faria, mas tem sido uma experiência fascinante. Às vezes, fico orgulhoso de estar compartilhando a quadra com uma figura tão importante do tênis como Jaime.

Quando vejo os jovens jogadores às vezes reclamando dos sacrifícios que têm que fazer, lembro a eles que esses sacrifícios podem não ter recompensas imediatas, mas a longo prazo, definitivamente valerão a pena. Eles podem não perceber agora, mas esses sacrifícios ajudarão a moldar suas vidas, ensinando disciplina, valores e lições valiosas que levarão consigo para o resto da vida.

Nossa abordagem aqui com Jaime é muito mais do que ser um treinador. Somos educadores, preocupados em desenvolver não apenas as habilidades dos jogadores, mas também seus valores e crescimento como indivíduos. Queremos influenciar os garotos de maneira positiva, ensinando lições que serão úteis em todas as áreas de suas vidas, não apenas no tênis. Portanto, nossa missão vai muito além do simples treinamento esportivo.


Guilherme Jasmin por Domingos Venancio

VENANCIO — Hoje, o Jasmin é naturalizado americano, totalmente adaptado ao estilo de vida lá e mantém excelente forma física. Continua jogando tênis em alto nível e é notável por sua humildade quando visita o Brasil. Por exemplo, sempre que eu tinha uma aula particular, ele se oferecia para treinar meu aluno, estar em quadra com ele, sem cobrar absolutamente nada. Ele proporcionava um nível de treino muito elevado. Sempre esteve disponível em projetos sociais, como nas UPPs, e no último dia no jogo do Guga. Pessoalmente, posso dizer que é um dos melhores treinadores que conheço no momento, especialmente em tênis universitário. Sua experiência em transicionar jogadores juvenis para o universitário é incomparável nos Estados Unidos e praticamente inexistente no Brasil. É um orgulho tê-lo como alguém que conduziu, e a nossa relação é uma mistura de amizade e parentesco, meio pai, meio irmão, meio filho, meio irmão mais novo.

Para finalizar, nos períodos de off-season nos Estados Unidos, ele atuou como sparring de renomados jogadores e jogadoras do circuito profissional. Teve contato com diversos jogadores brasileiros, como Luisa Stefani, mas principalmente com as americanas. Durante os verões, trabalhou como sparring em academias que recebiam jogadoras classificadas entre as dez, quinze e vinte melhores do mundo. Sua experiência como treinador é, portanto, absolutamente abrangente.

Fotos: arquivo/Guilherme Jasmin

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